sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O sonho de quem não dormiu

Hoje tive um sonho... Sonhei que estava só, completamente só, e que na minha solidão se rasgava uma paisagem cinzenta. Um mar imenso platinado espreguiçava-se na areia negra e grossa, acima do qual se estendia em toda a amplitude do céu uma nuvem triste.
Vagueei nessa praia sem fim até os meus pés se cansarem. Virei-me então para o mar. Oh! Como tenho saudades de ser envolvida pelo mar! De lhe falar e pedir protecção. De sentir a rebentação acariciar-me os pés seduzindo-me a entrar. Como sinto falta de ser puxada para o seu íntimo, para o fundo mais fundo, para o recanto mais escondido.
Entrei. Uma onda abraçou-me e prendeu-me, levando-me para o seio do oceano. Deixei-me boiar esvaziando a alma a cada rebentação das ondas. O vazio é incrivelmente pesado, tão pesado que me afunda, que me afoga no meu próprio desespero; esse desespero de ver uma réstia de luz e de me continuar a afastar, de a ver mais longe e difusa e ainda assim tão bela.
Aí encontro reconforto porque a beleza, principalmente a que não se alcança, traz-nos uma ilusão de paz, uma sensação inebriante de que tudo vai ficar bem só de contemplar...
A felicidade pode ser imperfeita, mas é sem dúvida bela, e tão mais bela quanto mais utópica for.

sábado, 10 de julho de 2010

Compulsividade

Sofrer, definhar, morrer! Sofrer, definhar, morrer! Sofrer, definhar, morrer!

GRITA!

IMPLODE!
(Suor, músculos tensos, vermelhidão, dentes cerrados)

Torce, contorce, esfaqueia, asfixia, envenena, esmaga, arranha, sangra, engole, arranca, lança!

Sofrer! Definhar! MORRER!
(calma...)

sábado, 13 de março de 2010

Desalento

Gordas são as lágrimas que rolam pelo meu rosto... Rolam em desalento, caindo nas fotocópias sobre netsuke ou no prato da tarte de maçã.
Como é possível chorar tanto... Choro há mais de um ano, desolada e inconsolável. Escondo o que me faz chorar do mundo, fujo das pessoas e venho sentar-me aqui, junto à minha janela, a olhar para o céu e choro.
Gritos mudos ecoam na minha cabeça. Gritos de dor ressoam consonantes com o bater do meu coração contraído, que embora tenha passado por muito mais que muitos outros continua resistente. Isto porque, por mais que o tente evitar, escolho sempre o caminho mais penoso para me libertar. E assim sinto-me definhar aos poucos, sinto subtraírem-se os dias do amor, da paixão, da felicidade, assim como as memórias que os acompanham... um por um vão desaparecendo, deixando um vazio que murmura, que implora por ser preenchido. Mas está tudo tão longe... O passado não o alcanço, e o futuro nem se avista. Até o presente está deslocado de mim. Estou num espaço e num tempo que não consigo explicar, mas que nada nem ninguém consegue chegar. E logo agora que preciso de ser salva.... Logo agora que choro, que estou vazia, que estou só.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Quando os muçulmanos eram tolerantes....

É verdade! Os muçulmanos foram outrora uma comunidade tolerante, provavelmente mais tolerante que os cristãos do Grande Império Romano. Claro que achavam os cristãos, os judeus e principalmente os pagãos infelizes e desencaminhados por acreditarem naquelas religiões tão absurdas. O nosso sábio amigo Maomé até escreveu aos mais altos dignitários da zona mediterrânica pedindo-lhes que considerassem a hipótese de se converterem ao islamismo, a verdadeira religião de Deus! É bastante interessante pensarem dessa forma, visto que o islamismo tem como base fundamental o cristianismo, que por sua vez tem como sustento o judaísmo.
Voltando ao tópico da tolerância, é de notar a forma como Maomé se dirigiu aos imperadores romano, visigodo e persa.Pediu-lhes e explicou-lhes com humildade e honestidade a sua fé, aconselhando-os a converterem-se. Claro que foi ignorado e passou à táctica seguinte, a militar. Mas é pena que este senhor, mestre da guerra e diplomata (qualidades que Maomé conjuga de forma interessante e que serão incutidas aos seus sucessores, os califas), não acredite na ressurreição, pois assim poderia aparecer e aconselhar alguns líderes muçulmanos dos dias de hoje.
Agora, quanto aos califas existe também um aspecto muito interessante. Como todos sabemos, a máxima, tanto do islão como do cristianismo, é converter tantos quanto possível e, como tal, os califas empreenderam uma demanda expansionista, divulgando a sua fé. Alguns dos territórios conquistados pelos muçulmanos tinham cultos religiosos muito enraizados e, por isso, a conversão era um processo bastante complicado. Então, os califas, em acto de diplomacia permitiam aos infiéis a prática dos seus cultos mediante o pagamento de um imposto, imposto esse que se tornou uma via de receitas essencial para o califado. E o facto de serem infiéis não impedia a frequência das dependências públicas da comunidade islâmica, como a mesquita e os banhos. Eram todos cordeais e respeitosos, mesmo achando que a fé de cada um fosse mais verdadeira que a do outro.
No entanto, nós somos seres humanos e como tal não podemos estar equilibrados nem em paz durante muito tempo. Portanto, começaram a ser feitas algumas restrições, que foram obrigando as minorias a passar à maioria ou a deslocar-se e, com o tempo, foi construída uma sociedade cada vez mais fechada à cultura exterior, uma sociedade muito apegada a uma tradição forjada em interesses políticos que muitas vezes se desviam das intenções originais do islão e do Profeta.
Quando os muçulmanos eram tolerantes vivia-se bem em comunidade, pois eram respeitadas as diferenças de cada qual. Hoje em dia, há um sentimento de hostilidade e falta de confiança no que lhes é estranho, no que representa a libertação e evolução dos seus cânones tradicionalistas e por isso perdem o sentido de humor e explodem-se por aí para manterem vivo um ideal que só trará felicidade a alguns, aqueles que mandam explodir.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Parvoíce seguida de reflexão

Há uma imensidão de assuntos sobre os quais posso escrever e,talvez por esse motivo, não me consigo focar em nenhum. Desde as injecções de arte ao prémio Nobel do Mr. Obama, passando pela crítica política, são tantos os temas e tanto o que sobre eles há para escrever que sinto uma tensão de forças que correm aleatórias na minha cabeça e não me deixam pensar num só. Ora isso é uma chatice! diz o Tico para o Teco, sem resolverem absolutamente nada. Pois é, estão os dois, o meu Tico e o meu Teco encostados à sombra do meu cabelo a apreciar trocistas o belo caos idiota que deveriam controlar. E agora riem-se! Que engraçadinhos... Acham piada, não é? Ora e se eu decidir mandar-vos passear ao gabinete do Sócrates para verem se ele está a trabalhar e entretanto contratar dois neurónios de intelecto superior?, pausa, Ah! Bem me parecia.
Caros leitores, após este breve aparte, anuncio que estou pronta para começar.
Estando a tirar o curso de História da Arte devo informar-vos que me tornarei cada vez menos objectiva, deliciando-me a enfadar-vos com aqueles pequenos pormenores, aqueles grãozinhos de areia que se instalam entre as pedras que formam os grandes monumentos e que tanto contribuem para a ocupação das gavetinhas celulares do meu cérebro. Tal e qual como os meus professores da faculdade. Quero com isto dizer que são pessoas com um nível de cultura elevado e que, para eles, analisar e contextualizar uma obra é o mesmo que estar recostado num cadeirão a ouvir música e a bebericar vinho tinto. Embebedam-se naquele mundo distante que recriam com os seus vocábulos e vão para muito longe do seu estado sóbrio, objectivo.
Isto tudo para voz dizer que o meu professor de História da Arte da Antiguidade Clássica e Tardia em Portugal recusa-se a dizer que os espanhóis são espanhóis. «Eles são castelhanos» informou-nos ele na última aula, «porque nós somos todos espanhóis.» Tanto os galegos como os portugueses, como os próprios castelhanos, somos todos espanhóis! Isto porque originalmente fomos um povo denominado hispânico e por essa razão somos hispânicos, logo, espanhóis. Mais! O mestre Carriço ainda nos informou de que a nossa península seria hispânica se tal não nos ferisse o ego. Sendo nós, portugueses, tão pequeninos e insignificantezinhos comparados com um Luxemburgo, por exemplo, não poderíamos permitir que nos confundissem com os castelhanos, logo nós que definimos as nossas fronteiras tão cedo e que só por uma vez perdemos a independência, por um acaso do destino, para os reis do território logo ao lado do nosso. Nós não podemos fazer parte d'uma península hispânica! Desta forma, fazemos parte da Península Ibérica, embora tenha sido o povo celta o que ocupou a maior parte do nosso território, quando os seus contemporâneos iberos ocupavam a Espanha.
Então, não somos hispânicos para não nos confundirem com os castelhanos, mas somos iberos, ainda que estes tenham ocupado o território castelhano todo. Conclusão interessante.
De qualquer forma seremos sempre um apêndice inflamado de Espanha, sendo isso visível através do magnífico exemplo americano, cuja população acha que Portugal é uma província de Espanha. Por isso, meus caros patriotas, não vos preocupeis com tais mesquinhices e vede o que se passa nesta crosta com pus que é Portugal e talvez para a próxima votareis com consciência.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Shh!...

Não me falem da política, porque esta política não o é. Não me falem da crise e de crises, porque não é a falar nelas que as vamos superar. Não me falem de amor, nem de ódio, pois são duas palavras que têm uma força esmagadora e que não devem ser pronunciadas em vão. Não me falem do que não conseguem ver, do que não conseguem ouvir ou sentir, falem-me antes do que vêem, ouvem e sentem e vejam, oiçam e sintam. Não me falem nas mudanças climáticas, encontrem soluções para as mesmas. Não me falem na pobreza, nem na fome, acabem com a pobreza e com a fome. Não me falem em informação, porque a informação é filtrada e nunca sabemos todos os ângulos de uma notícia. Não me falem do preto e do branco, falem-me do cinzento. Não me falem no Bem e no Mal, falem-me das pessoas. Não me falem em guerra, mas sim em paz. Não falem em petróleo, investiguem e invistam em alternativas ao petróleo. Não falem sobre educação, eduquem. Não falem do que fizeram, digam o que vão fazer e façam. Não falem sobre a doença, anunciem a cura. Não falem da catástrofe, evitem-na. Não falem sobre o negativismo, sejam positivos. Não falem no que não têm, valorizem o que têm e lutem pelo que vão ter. Não se arrependam, aprendam. Não me falem do que não sabem, ensinem-me o que sabem. [Querem ser patriotas?] Não cantem o hino do vosso clube, cantem o hino português. E não me falem em futebol, porque eu não gosto.

Desabafo de quem se está a redescobrir

Quando estamos habituados a fazer tudo acompanhados, ou melhor, quando nos habituamos a não fazer as coisas sem aquela pessoa que esteve presente durante parte da nossa vida, durante muito ou pouco tempo, e nos tornamos dependentes dela, não nos apercebemos do que estamos a perder.
É no período de transição que me encontro agora, o de redescobrir a independência e o acordar do espírito livre que vive em mim.
Sair à rua e fazermos coisas sozinhos, quando nos vemos desamparados emocionalmente, torna-se uma aventura, se o virmos através de um panorama positivo, pois caso contrário torna-se antes um tormento. Para mim, tornou-se uma odisseia interior e exterior bastante entusiasmante. Notamos e valorizamos o que de mais ordinário acontece e tornamos essas experiências vulgares em pequenos tesouros privados que nos fazem sorrir, como quando um condutor se mete connosco, as pessoas que nos abordam na rua para pedir informações, para pedir esmola utilizando métodos bastante originais que valorizam o dinheiro que damos, aqueles que nos tomam por estrangeiros, ou ainda os que apenas querem alguém com paciência para os ouvir... E não é só! Passamos a olhar com mais atenção para o que nos rodeia, apreciamos as ruas e os edifícios, o céu, as árvores, o rio, enfim, tudo aquilo que a vista alcança.
É um mundo inteiro que se abre e do qual não queremos sair. Por isso, quando me telefonam ou enviam sms que perturbam a minha paz e aventura interior torno-me bastante hostil. Pessoas que por vezes não nos ligam e passado muito tempo vêm ter connosco para relembrar o passado, outras que pensam ter ganho a nossa amizade profunda após um mês ou mesmo algumas semanas depois de nos terem conhecido, ou pensam ter conhecido... A isto, só digo: "Haja paciência!" . E a paciência não é bem o meu forte, pelo menos no que toca a estas coisas ou a certas pessoas. Não gosto de me sentir sufocada, nem pressionada, nunca fui de dar satisfações, nem de andar a rodear as pessoas. Também não gosto de cultivar sentimentos e relações que não são recíprocos e mais tarde virem tentar reavivar aquilo que já ultrapassei. Se há alguma coisa que queira, com jeito vou atrás dela e se por acaso me aperceber que me é de todo impossível conseguir no momento não encontro em mim resistência nenhuma em desistir ou adiar a 'luta'. Há momentos indicados para tudo e para falar comigo também. Há boas e más alturas e se eu respeito as más alturas dos outros gostava que respeitassem as minhas.
Neste momento estou a gozar a minha solidão. Solidão esta que tem sido bastante feliz, na medida em que me sinto livre, desprendida do dever de estar presente para alguém e de dar satisfações a esse alguém.
Por isso, vou tratando da minha vida sozinha, vou onde preciso ir sem companhia e de cada vez que o faço apercebo-me de que eu e o que está à minha volta, nomeadamente o que é novo e desconhecido, tem o potencial de me preencher e de me trazer momentos de felicidade. Como querem que abdique desses momentos para ir para casa, para os problemas da família, para levar com preocupações mal fundamentadas, para atender telefonemas que não me trarão nada de novo, para invadirem o meu espaço com histórias que, ou não têm interesse, ou não fazem bem ao espírito, como conversas tristes ou discussões e constatações de uma realidade infeliz, sem sonhos positivos para o futuro. A minha resposta é não, não abdico dos meus passeios por Lisboa, nem dos meus momentos sós, desligada de tudo o que me rodeia, a não ser o que não comunica por palavras. A única coisa que me fará comunicar é a perspectiva de sorrir, rir ou maravilhar-me com o entendimento e a companhia que o silêncio e um simples olhar podem criar quando estamos na presença de pessoas de quem gostamos e que gostam de nós, aquelas que conhecemos e que nos conhecem verdadeiramente.
(Um texto dedicado a Renato Rocha, que sempre me incentiva a escrever sobre tudo e nada)

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Paixões




Um formigueiro, arrepios repetitivos que despertam a pele e eriçam os pêlos, contraem o estômago e apertam o coração. Se fechar os olhos consigo ouvir e sentir o ritmo compassado do meu coração que bate em uníssono com outro compasso, mais complexo que o meu. Se os meus olhos ficarem molhados de sal, não se impressionem, é apenas a emoção, o sentir de algo inesperadamente agradável e nostálgico que está tão próximo de mim, pois consigo sentir e ouvir esse compasso, mas ao mesmo tempo é inalcançável na medida em que não lhe posso tocar. Este momento de união de almas é tão íntimo, tão profundo que só pode ser interrompido se um dos ritmos parar, o meu ou o outro e, no entanto, mesmo quando interrompido o som da memória deixa um rasto de perenidade e, querendo ou não, aquele compasso que me deixou ou que eu deixei no exterior, continua a sussurrar no meu interior e os meus bivalves castanhos esverdeados lágrimas vertem de saudade, num desejo passivo de voltar a ouvir o timbre do meu violoncelo, sentir o instrumento encaixado nas minhas pernas, onde parecia pertencer originalmente, arrepiar-me com a vibração suave do arco de crina nas cordas metálicas, fazendo eu com o arco e ele com as cordas uma dança tocada, movimentos de valsa, mais longos, nas melodias em adagio, tango nas mais fortes e jive nas melodias em allegro e depois, quando a dança acaba e o violoncelo é arrumado e posto a um canto, fica a vontade de voltar a tocar. E isto sinto e penso quando oiço música. Talvez um dia.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Palavras

Falamos pela mesma razão que transpiramos?
O ser humano fala porque necessita de comunicar e, de facto, existem pessoas que falam pela mesma razão que transpiram, para se sentirem equilibradas, por isso, falam 'pelos cotovelos'. Exprimem tudo por tudo e por nada, para se sentirem harmonizadas consigo e com os restantes. Não sei se para essas pessoas as palavras têm algum significado pois elas pronunciam tantas e com uma facilidade tal que não entendo até que ponto pensam nelas.



Para que servem as palavras?

«São como um cristal,

as palavras.
Algumas, um punhal,
um incêndio.
Outras,
orvalho apenas.

Secretas vêm, cheias de memória.
Inseguras navegam:
barcos ou beijos,
as águas estremecem.
Desamparados, inocentes,

leves.
Tecidas são de luz
e são a noite.
E mesmo pálidas
verdes paraísos lembram ainda.

Quem as escuta? Quem
as recolhe, assim,
creis, desfeitas,
nas suas conchas puras?»
Eugénio de Andrade, 'As Palavras' in Até amanhã

As palavras servem para elogiar, ferir, encorajar, saborear, visualizar. Servem para serem pronunciadas, provocando o efeito que o orador deseja. Se devem ser pronunciadas? Provavelmente não. Por vezes, há que deixar o silêncio falar.

As palavras têm impacto?

Têm para quem as quer ouvir e sentir porque quem não quiser facilmente cria uma barreira contra as mesmas.

Até quando são válidas?

Penso que são válidas até deixarem de ter fundamento, até serem proferidas sem sentido ou para o mal, pois as palavras existem num contexto e se esse contexto for válido, então as palavras também o são, se assim não for, as palavras perdem peso, ainda que o receptor sinta o impacto das mesmas, o que é um tema à parte, porque a validade tem de ser entendida pela razão e o impacto está implícito no campo da sensibilidade.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

'Vocabularizando'

Eu, que ando junto ao chão como um pequeno saramago, fui abençoada com um demónio, o meu narrador, que me faz companhia nas horas mais solitárias, discutindo comigo os mais variados temas, assim como também me ajuda a decidir que caminho devo seguir. Com ele divirto-me, viajando pelo tempo vertical, não cronológico, o tempo simultâneo em que passado, presente e futuro não o são, sendo apenas tempo, acontecendo todos ao mesmo tempo no espaço da minha alma.
Para que tal fenómeno metafísico pudesse acontecer em mim, tive de ser persignada pelo Universo e pela relatividade e, com um abrenunso divino, etéreo, 'Fiat lux!' e um demónio surgiu dessa luz para me ensinar e acompanhar.
Agora passeio-me pelo tempo e pelo espaço, criando sonhos e vontades que me ajudem a construir o meu pequeno memorial, para que este se possa reunir em convento com os restantes memoriais da história, independentemente do seu tamanho físico ou grandeza contextual.
Pelo caminho construirei a minha passarola e elevar-me-ei ao último patamar de mim mesma. No entanto, há que não esquecer os dominicanos, cães de Deus, que se escondem por trás das máscaras e só no Carnaval podemos ter um vislumbre daquilo que realmente são, acuadores de almas pequenas, como a minha, que não ambiciona nenhum convento, somente uma passarola que voe para mim, que me encontre e que me acorde, pois eu passei demasiado tempo adormecida num mundo em que eslavos passaram a escravos.

"Faiz favô di sê felizes!"

Quando li que Blimunda tinha caído doente sem razão aparente lembrei-me de imediato da doença da alma. A doença da alma é causada por acontecimentos ou momentos da nossa vida que não conseguimos gerir, sentimentos e emoções que por serem tão fortes ou marcantes nos estafam de tal modo que a alma fica apática e a vontade de viver perde-se nessa apatia densa. Assim, uns dormem enquanto a vida passa e outros mantêm-se acordados olhando e não vendo que a vida se lhes escapa à frente dos olhos.
Blimunda foi curada com a música de Scarlatti. E por que razão foi curada pela música? Porque a música fala connosco, transmite-nos emoções e por isso curou Blimunda, visto que se uma alma apática não sente, quando invadida por emoções é brusca, mas prazenteiramente acordada. A música tocada por Scarlatti no seu cravo, que tem um timbre tão característico, tão requintado, sussurrou aos ouvidos de Blimunda e entrou sorrateiramente na sua alma gerando nela emoções que dispersaram a névoa da apatia e revelaram a vontade, uma vontade renovada que surge mais viva que antes.
Se ao menos todos os males da alma fossem curados exclusivamente com música, penso que seríamos todos felizes. E por que não? Por que não somos curados com música? Porque Blimunda, ao contrário de nós, era sensível e permeável ao que lhe transmitiam, enquanto que nós, em antítese, barramos as experiências sensoriais porque não temos tempo. A sociedade de consumo não nos permite sentir a beleza das coisas porque não nos dá tempo para parar, não há silêncio, não há vazio exterior, só frenesim, bombardeamento publicitário, vender e comprar, o que resulta no raquitismo da alma.
Sejam saudáveis e permitam-se sentir e permitam-se sentir para serem saudáveis e, como já ouvi e referi no título, "Faiz favô di sê felizes!"

domingo, 17 de maio de 2009

E chora Blimunda

Eu, Blimunda, choro-vos pois as vossas vontades desapareceram. As vontades do campo e do mar voaram com o vento dos sonhos para um outro mundo, mais próximo de Deus. Assim, as almas das pessoas comuns deambulam vazias pelos campos e mares, fitando o céu com os dois espelhos baços que já nem chorar podem, pois para chorar é necessário sentir e uma alma vazia não sente, porque sem sonho não há vontade e sem vontade a alma fica amorfa, repercutindo-se exteriormente sob a forma de apatia mental e emocional. Por isso choro-vos porque chorar não podeis vós, sinto por vós e rogo a Deus por vós, mas a voz Dele chega trémula aos meus ouvidos. Também ele chora com o que vê, um mundo escasso de nuvens fechadas, sim, porque ainda há vontades, são as vontades dos homens de poder, que têm dinheiro e protegem-se mutuamente na injustiça e, portanto, através da injustiça controlam as almas daqueles que, perdendo a fé na terra e no céu não têm onde se agarrar e seguem os que vivem na sua própria peça de teatro, no seu cenário em talha, cortinados de tecidos ricos e pesados, ouro, jóias, festas, procissões, carros, obras, novos projectos, discursos sobre como tudo está maravilhoso. Toda esta ilusão cria nas almas das pessoas humildes um sonho falso, não da própria pessoa, mas sim impingido à pessoa que vive desamparada no desespero de uma vida de sofrimento e luta e que assim se deixa levar, arrastada nessa ilusão de passarola que esconde o mundo raquítico, que cabe num convento, o mundo em que vivemos.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

'Circularidade' circular

13+5+2009+6195+33+65=5, isto é, a treze de Maio de dois mil e nove foram confirmados seis mil cento e noventa e cinco casos de gripe suína, estirpe A ou vírus H1N1, em trinta e três países, causando sessenta e cinco mortes, o que levou a OMS a declarar o nível cinco de alerta de epidemia, o que significa que a existência de uma pandemia está iminente.
A gripe suína é uma doença que se apresenta como uma gripe vulgar e é transmitida da mesma forma que a mesma, alastrando rapidamente devido à falta de hábitos de higiene pessoal e 'comunitária', como não lavar as mãos ou tossir e espirrar sem colocar a mão à frente. Essas faltas (não propositadas e sem suspeitar mal) fazem com que este género de doenças se alastre bastante rápido e por todos os cantos do planeta, devido à globalização.
No passado vivemos outras epidemias, não a uma escala global, mas que ainda assim, no contexto evolutivo da época foram catastróficas, como a peste negra no século XV, a tuberculose no século XIX, vírus da SIDA no século XX e XXI, entre outras. No Memorial do Convento encontramos um surto epidémico de peste negra que mata um número razoável de pessoas, uma vez mais resultado da falta de higiene da população.
Nisto se conclui que a vida do Homem é circular, tal como a estrutura narrativa do Barroco, pois o tema é sempre o mesmo, tendo apenas pequenas variações (estilo, arte, ciência, escala) que escondem e embelezam a 'estória' da humanidade. Assim se passam XXI séculos com capítulos bons, menos bons e maus que, se forem resumidos à sua essência, resultam num só. Uma pequena grande parte desse capítulo pode ser encontrada no Memorial do Convento: os governos e governantes representados por D. João V (que se apresenta como personagem complexa, não completamente estúpido); a condição feminina representada pela rainha e também por Blimunda (apresentando as duas formas de como as mulheres são tratadas pela sociedade: ora como seres da casa e da reprodução, ora como seres inteligentes e capazes, com outras 'funções' à parte da de «vaso de receber»), o casamento (por conveniência em oposição à união amorosa); a luta de classes e a estratificação social, que no século XVIII era por ordens, determinadas maioritariamente pelo nascimento e, actualmente, organizada por classes, determinadas, em grande parte, pelo poder monetário; as guerras; as crises económicas e políticas que culminam em revolução, sendo que revolução indica uma volta de trezentos e sessenta graus, o que significa o recomeço de outro ciclo, outro capítulo circular com o raio maior que o anterior e que apresenta algumas variações, mas cuja base é sempre a mesma: origem, a construção/reconstrução, os dilemas, os problemas, a crise e a revolução. Desta forma vive o Homem desde os primórdios da sua existência: em conflito, em crise, em círculo. Tudo isto tem o propósito de aprendizagem, é o método evolutivo da humanidade e como a circunferência é considerada a forma geométrica perfeita, talvez este método seja também ele perfeito, embora duvide, pois a circunferência XXI tem um raio tão grande como o globo terrestre (por isso vivemos numa aldeia global) e apresenta uma curva tão imensamente densa de fumos, intolerâncias, dinheiros e bombas, que julgo que poderá fazer com que o seu centro (o planeta terra) impluda, impossibilitando, não uma revolução, mas sim uma evolução.

Cai a chuva, escorrem ideias

A chuva cai algumas vezes durante a obra Memorial do convento e quando cai, cai 'cá fora' também- As palavras escorrem horizontais pelas páginas do livro e aleatoriamente escorrem as gotas da chuva, escritas na horizontal na página do livro, pela minha imaginação fora e dentro, porque é no meu cérebro, nomeadamente no hemisfério direito, que se cria o mundo do imaginário, das imagens dadas pelas palavras escritas na horizontal das páginas do meu livro, que são traduzidas singular e pluralmente, numa euforia de sentimentos, emoções e visões, pelo tal hemisfério direito, que sem o esquerdo viveria na minha cabeça atrofiado e desarmonizado (por não ter com o que se harmonizar) e em constante inquietação e devaneio, porque viver apenas através da vontade e imaginação não é saudável, há que ter o freio da razão, pelo teco do hemisfério esquerdo, para manter o tico do direito preso pelo fio que o impede de voar para longe, tão longe que se perderia no infinito do universo do fantástico e das possibilidades improváveis, enfim, as chuvas do livro continuam a cair aleatoriamente, agora a escorrer pela minha face, sim, porque a imaginação é assim, as letras do livro começam por se transformar em gotas de chuva e esborratam a página, depois a luz do nosso candeeiro apaga-se e sentimos o frio da água a bater na nossa pele e quando damos por isso já estamos molhados ao lado de Blimunda e Baltasar, que seguem o seu caminho para a morada da passarola, arrastando os pés na lama, cansados mas satisfeitos por se terem um ao outro, a companhia silenciosa de duas almas que se completam na sua humildade. No fim, quando o cansaço e o sono nos invadem, o quadro vivo formado na nossa mente projectado à frente dos nossos olhos e que nos envolve densamente, mais densa quanto mais apaixonante o livro, começa a desvanecer-se, a luz do candeeiro reaparece atrás de nós e já estamos secos e quentes, recostados no almofadão fofo, olhamos para as páginas e os borrões desapareceram, voltaram à forma original, à de linha torneada em letra. Após verificar que a realidade (se é que é realidade e não mais um sonho de um outro eu ou de outrem que fez de nós personagem principal e uma vida inteira, os 100 anos do sonhado serão só e apenas as oito horas do sonhador e quando o sonhador acordar será a nossa morte), continuando, ao verificar que tudo está como deve estar fechamos o livro, passamos a mão pela capa, pousamo-lo na mesa da secretária e vamos dormir também.

O mundo aos olhos de Deus


Acho que já está pronto para colocar a última peça, pensa Saramago olhando para baixo, para D.João V, vá põem lá, a última pedrinha de madeira é ali, não, não é aí tosco, ali, isso, agora fica a brincar com esses bonequinhos de madeira, tens aí o Papa e os cardeais reizinho. Bom, agora vamos a Mafra descansar de D. João V, hoje dei-lhe uma insónia para ver o que faria para tentar dormir, mas ele decidiu ir acabar a maqueta, às vezes cansa ajudá-lo nestas brincadeiras, vamos lá ver como se porta quando lhe encomendar um monumento a sério, um monumento com pedras de pedra, grandes e pesadas, um edifício bem maior que a sua pequena magnificência. Ora aqui temos Mafra, Saramago pega no pequeno telhado à escala 1:100 de uma casa modesta e puxa-o, a dormir no chão da cozinha, sobre um cobertor de lã grossa, ainda bem que ainda há ovelhas em Portugal que forneçam esse bem que tanto aquece no Inverno e que no Verão, se não aquece, pelo menos serve de aconchego aos ossos, para que estes não batam directamente no soalho, enfim, sobre esse cobertor dormem Baltasar e Blimunda, Onde é que eu guardei a lanterna, o dia não pode começar uma hora mais tarde, e Blimunda tem de comer o seu pão, aqui está, Saramago liga a lanterna sobre a linha do horizonte, Blimunda está a acordar, os seus dedos procuram já o pão que tem de comer antes de olhar para Baltasar, come Blimunda, come que Baltasar está quase a acordar, segundo o meu caderno tem acordado às cinco e meia. Saramago fica a apreciar aquela rotina matinal que tanto o delicia, até que os dois se separam, Baltasar sai com o pai e Blimunda fica com a mulher que a abraçou como filha e fazem os seus afazeres diários, os de homem e os de mulher.

Saramago dá um ligeiro toque no globo e vai para a Holanda, chama pelo padre Bartolomeu Lourenço que prontamente lhe responde, Estou aqui meu Deus, E a tua pesquisa, De novo na estaca zero, Pois, não te aconselhei eu a passeares pelas ruas em vez de te meteres nas universidades, esse tipo de conhecimento é demasiado precioso para ser divulgado assim, sob pena de ser censurado ou desejado para fins menos correctos, E o meu fim é correcto Senhor, O teu não suspeita mal, queres voar, queres ver o mundo da minha perspectiva, é perfeitamente razoável, mas aproveita para passear e falar com as pessoas, talvez tropeces no éter sem querer, E não mo podia dar logo, tenho mesmo de o procurar, Que pergunta a tua Bartolomeu, se eu te desse tudo de mão beijada não aprendias nada, Tem razão Senhor, diz Bartolomeu a Saramago e vendo que este se afasta interpela-o, Não me acompanha no meu passeio, Não posso, quer dizer, posso e não posso, sou omnipresente, mas neste momento estou a documentar o que se passa neste mundo a pessoas que como tu não têm capacidade de entender a vida e o tempo como algo simultâneo por isso tenho de ir, Entendo, embora esse conceito seja de facto difícil de conceber, Vocês são limitados, existem coisas que não compreendem na sua totalidade pois o corpo enquanto massa orgânica, biológica e portanto, densa, não permite vivenciar tudo aquilo que o universo e eu, vosso criador vos tenho para oferecer, Certo Senhor, então adeus, Adeus Bartolomeu, e não te esqueças que estas nossas conversas não são para ser divulgadas ao povo, ainda não estão preparados para voar, Bartolomeu segue o seu caminho com um ligeiro sorriso nos lábios e Saramago continua a viajar os dedos pelo seu globo, brincando com as suas marionetas vivas, as suas personagens humanas, ora deixando que elas vivam por si ora criando obstáculos que condicionam as opções de vida das mesmas.
Saramago como Deus do mundo do Memorial do Convento, entretendo-se com a sua maqueta gigante.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Escrever-Escrevo-Escreve

[Escrevo para] «tentar entender, e porque não tenho nada melhor para fazer». Esta foi a frase captada pela Folha de São Paulo, um jornal brasileiro a 4 de Fevereiro de 2007, numa entrevista feita a Saramago pela Efe. No entanto, no Memorial do Convento o narrador (e, portanto, o autor) informa-nos que escreve para dar voz aos oprimidos, aos que não são mencionados nos livros de história.
Escreveu, então, uma estória, porque não tem outra coisa melhor para fazer a não ser utilizar a sua imaginação e arte 'prosaico-lírica' para tentar entender o mundo que o rodeia, estabelecer uma ponte entre o passado e o presente e fazer uma apreciação crítica e pessoal, por meio de uma personalidade complexa que humilha inteligentemente e implacavelmente aqueles por quem nutre antipatia ou cuja maneira de estar no mundo o incomoda e simpático para os que pensa merecerem mais do que têm, ou seja, os oprimidos, os que trabalham durante a vida inteira, passando por muitas privações e necessidades sem serem devidamente valorizados, ficando apenas escrito na nossa memória, a História, o nome daquele para qual trabalharam que, no caso do Memorial do Convento, será o rei D. João V. Desta feita, Saramago faz uma lista de Antónios, Bernardos, Carlos, Dionísios, Estevãos, Fernandos, Guilhermes, Hugos, Ipólitos, Joaquins, Luíses, Manéis, Natércios, Óscares, Paulos, Ricardos, Sérgios, Tiagos, Urbanos, Vicentes, Xavieres e Zacarias além de acompanhar a vida de Baltasar e Blimunda, apresentando os heróis da história e da estória e o quadro social da época, fazendo, de certa forma, alguns paralelismos com o presente (que pela data da criação da obra já é passado, mas que continua e continuará, decerto, actual porque os tempos mudam, a civilização progride científica e tecnologicamente, artisticamente e culturalmente assim como a mentalidade também evolui [embora muito lentamente]. Mas existe uma massa de valores 'inconscientes' tendenciais, como a exploração, discriminação social, falta de respeito [tanto pelo próprio como pelo outro], recorrência à violência física e verbal e tantos outros que resistem ao tempo cronológico e à história e por isso, serão sempre assunto de reflexão e, em Saramago, de ficção reflexiva).
A meu ver, Saramago não fala porque prefere escrever e assim, fazer passar as suas crenças e posições de forma directa, mas subtil, através dos romances e do seu carismático narrador. Fá-lo para entender e para que entendam, introduzindo valores e críticas em textos que a pessoas tenham prazer em ler. Assim, desabafa e talvez, eduque quem o lê, ao fazer com que as pessoas leiam e releiam as longas e belas frases, umas porque delas perderam o sentido e outras porque gostam de saborear o belo, ainda assim lêem e talvez, mas só talvez, porque provavelmente eu e outros tantos leitores somos excepção, pensem no que foi escrito.
(Esta ideia poderia continuar a ser desenvolvida, como muitas outras presentes neste blog, mas por agora, fica/ficam por aqui. Pergunto-me como abordarei estas questões daqui a uns tempos, quando tiver mais experiência de vida).

domingo, 3 de maio de 2009

Reflexão intercalar


Construindo a minha passarola em forma de convento um dia de cada vez, colocando pedras todas as semanas, cada uma mais minha que a outra, mais lapidada pela minha expressão, mais densa devido aos meus pensamentos, mais próxima do meu presente.
Penso que as últimas seis publicações deste blog representam parte da minha evolução pessoal e também da minha expressão. Com Saramago apercebi-me mais uma vez de quão longe me encontro de me encontrar e de chegar à perfeição, se não a geral, à minha perfeição.
Gostei muito de escrever durante estas semanas, porque estive mais ligada ao mundo exterior do que é habitual em mim e tentei exprimir o que sinto em relação ao que me rodeia o melhor possível. Também gostei bastante de escrever sobre o Memorial do Convento e tenciono escrever mais e melhor sobre o mesmo, pois é um romance com muito potencial de reflexão a vários níveis.
Deste modo, considero que os resultados até agora foram positivos.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Narrador?

Autor - criador, a quem se deve a criação de uma obra.
Narrador - Aquele que narra
Narrar- expor, contar, historiar

Segundo Saramago nenhuma obra tem narrador, ou seja, na arte, quer ela seja literária ou plástica, não existe um intermediário entre o autor e o público.

Se o autor é o criador e cria um narrador para contar uma história, escolhendo as suas qualidades, ou seja, se esse narrador saberá tudo sobre o mundo da obra ou se vai saber apenas parte, se vai comentá-la ou vai ser objectivo, se se vai envolver ou se vai manter uma distância, isto é, se cria uma personagem para contar aquilo que ele criou e que terá de saber tanto quanto o próprio criador para historiar, então o narrador é o próprio autor, é parte dele.
O narrador é uma personalidade criada através da própria personalidade do autor para contar uma história ou transmitir uma opinião e mesmo que as características dessa personagem não se identifiquem imediatamente com as do autor, acredito que seja parte sua, como um heterónimo. Não é concebível, para mim, separar autor e narrador pois estão intimamente relacionados, visto que a perspectiva da história que o narrador transmite é a do autor. Os dois são um, sendo que o narrador pode ser um fragmento do autor, o que nos remete para a crença de Fernando Pessoa de que somos plurais, capazes de nos desmontar em vários seres, se o quisermos.

Assim, não posso concordar nem discordar, pois há narrador, mas este é sempre o seu autor.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Passado e Presente


Estava nossa majestade o rei D. João V no seu gabinete sumptuoso, rasgado por dois janelões ladeados por cortinas tão longas que as suas franjas douradas descansavam no chão de mármore, repleto de estantes com livros nunca abertos e um globo terrestre no centro da sala, globo este que tem duas cruzes vermelhas, uma grande sobre o Brasil e outra mais pequena sobre o continente africano, marcando desta forma os locais de onde provêm as riquezas que abastecem o reino. Bom, estava D. João V dormitando e babando no seu cadeirão de veludo vermelho, em frente à secretária de pau-brasil, totalmente adornada, quando entra pela porta o ministro real das finanças, Vossa Senhoria, diz o ministro real das finanças, Huh, ah, diga ministro, diz el-rei limpando o fio de baba que lhe escapava pelo canto da boca, Bom, trago-lhe as últimas contas do reino vossa excelência, Diga lá como vão os meus bens, Pois, majestade, não estão muito bem. As receitas do reino estão a cair e, se me permite, aconselhava-o a investir no país, disse o ministro, Hmm, entendo. Prossiga, ordenou o rei, Eu penso, vossa majestade, que vossa excelência deveria investir na agricultura e nas últimas inovações industriais, aconselhou o ministro, Ah, pois claro meu caro ministro, sei exactamente o que fazer. Vamos construir um mosteiro em Mafra, Para quem, vossa senhoria, Para os frades franciscanos, Para quê, Para eles lá viverem. A rainha engravidou, tal como eles disseram e eu fiz uma promessa, Vossa excelência, e a agricultura, A agricultura... Ah, já sei, vamos construir um aqueduto em Lisboa, agora vá falar com os restantes ministros. O ministro retirou-se e el-rei foi para a sua mesa favorita, a que tem assente a sua maqueta da Basílica de S. Pedro.


Estava o primeiro ministro José Sócrates com o seu nariz sentado na secretária do seu gabinete, olhando para o monitor do seu magalhães, quando entra o ministro das finanças, Então Zé, estás bom, Estou bem Teixeira, que queres, Olha pá, trago-te os novos números, Estou a ouvir, Então, há 450000 desempregados e há mais duas empresas em risco de falência, a agricultura está cada vez pior, assim como as indústrias, Eu tenho a solução, meu caro Teixeira, Então Zé, Vamos construir um aeroporto na Ota, Oh Zé, mas estamos em crise, É verdade, já me tinha esquecido, então vamos construir um TGV. Agora vai falar com o Lino que eu ainda tenho muitas coisas para fazer. Teixeira sai da sala e José Sócrates volta a concentrar-se no ecrã do seu magalhães. Está a jogar solitário, já só falta colocar os reis nos naipes certos. Acabou, finalmente, Ena, acabei... Porreiro pá.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

O espaço e o tempo são relativos,
Eu perto de ti, tu distante de mim.
Vejo-te, teus longos cabelos morenos,
Travessão que os doma,
Que indomável é a tua natureza de mulher.
A tua silhueta fluida como tinta da china sobre papel
Plana pelas ruas, qual andar divino,
Que me faz parar e admirar,
Como pincel que percorre vagarosamente a obra de arte.

Viras-te.

Oh! Blimunda minha!
Tu que com mero olhar me despes de mim
E expões o meu sangue quente que lateja consonante com o ondear dos teus cabelos.
Blimunda! Teus olhos profundos da cor da tua alma,
Que tudo em mim vêem e não me deixam mentir,
Eles que me percorram como eu te percorro,

E descubram o que eu não consigo descobrir em mim.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Pontuação

Frase (vírgula) oração (vírgula) oração (ponto)


Assim começa, desenvolve e finaliza Saramago as suas obras, só e apenas com vírgulas e pontos. A consequência superficial desta inovação são páginas pesadas, densamente negras, que eventualmente terão um avanço, um rasgo de branco puro ao centro da página par e outro no fundo da página ímpar. A outra consequência, aquela para quem não é demovido de ler o livro apesar da sua aparência negra, é a de um ritmo de leitura bastante 'rápido', no sentido de se procurar um ritmo oral natural, falado.


São estas palavras que os alunos ouvem naquela sala sem paredes, com tecto frondoso e chão relvado. Os objectivos tiram notas mentais, dactilografando a informação na tábua da memória, secção escolar, alínea português. Os subjectivos pegam no parágrafo e levam-no pela mão para o passeio do inconsciente. Acompanharemos os últimos.

Só e apenas vírgulas e pontos, diz para si, A vírgula e o ponto constituem a base da pontuação. Pode-se tirar tudo, mas não podemos tirar a vírgula e o ponto! Isto porque estão em tudo, encontramos pausas curtas e longas em tudo, a pausa do anúncio da kitkat, o dormir e o antes de acordar, a alternância entre o inspirar e expirar, o pestanejar (vírgulas sucessivas e rápidas), as cadências à dominante e as cadências perfeitas, os goles de água e o último ahhh da garrafa. Tudo tem pausas, até o nosso andar tem um ritmo próprio, pensa para si exaltado, Acho que o meu andar é 'virgulado', porque eu até ando relativamente rápido, já o da minha professora é mais 'pontuado', mais sereno. É, é isso, tenho um andar virgulado, pensa sorrindo para si.


Os companheiros separam-se. O aluno volta para a relva e o parágrafo perde-se nas ruas da memória.

A matéria e o sonho




«Agora avançam os carpinteiros, com maços, trados e formões (...)»
Saramago, José. Memorial do Convento

Assim foi o passado Sábado na sede dos escoteiros. Logo de manhã, pegámos nos serrões, machados, formões e grosas e, até ao fim da tarde erguemos uma estrutura, um segundo andar que faz lembrar a casa da árvore, porque alguns toros ainda babam seiva cor de mel e cheiram a verde. Mas esta construção semelhante à do convento de Mafra, sólida, maciça e perene representa outra ainda maior, a da passarola, do sonho tornado realidade. Este sonho, pelo menos como eu o vejo e sinto, é a construção de um grupo digno de ser chamado escoteiro: íntegro, com pessoas verdadeiras, trabalhadoras, alegres, companheiras, motivadas, respeitadoras, altruístas, enérgicas e com tantos outros adjectivos que vos assaltem a memória quando pensam no escotismo. E se me disserem que o meu sonho é utópico respondo que a construção da passarola também era utópica e Leonardo DaVinci tinha, para os seus contemporâneos, uma imaginação muito fértil ao conceber os estudos para as suas passarolas e, no entanto, a passarola e os esboços de DaVinci passaram a aviões e helicópteros e voaram, passando pelos planos ficcional e fantástico de Saramago.


O meu sonho e ambição por uma sociedade melhor é como a passarola, não só por ser um projecto considerado por muitos impossível, mas também porque tal como a máquina necessita do éter para planar, também a sociedade necessita de se tornar mais etéria e distanciar-se da matéria para evoluir e, se os meus desejos são passarolas, então eu sou o seu DaVinci, o seu arquitecto louco e divagador, divagador, divagador, divagadora. E se divago!

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Surpresas


Numa transição de um período para o outro, deixo-vos um gostinho da dimensão poética de José Saramago com o poema 'Intimidade':

«No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.»
José Saramago

Consultado em http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/j.saramago.html



"Procuro a tua mão, decifro a causa/ De querer e não crer, final, intimidade". Ora que situação embaraçosa esta! Eu que mesmo reconhecendo a sabedoria de Saramago, nunca simpatizei com a sua obra, vejo-me pegar numa das suas várias mãos (a memorial!) e querer ganhar a sua intimidade! Se no início pegava nela por obrigação, como tive de pegar na da minha mãe para atravessar a estrada, quando pequena, agora pego na memorial com carinho, arrastando os olhos e os dedos vagarosamente, apreciando a estética sólida da página, as veias pretas donde fluem vocábulos ricos, nutrientes para a minha alma de artista e vejo-me a desejar entrar na sua história, vivê-la enquanto a leio em vez de lê-la de rompante para ir viver noutro lado qualquer.
Já nada me surpreende e como diz Pessoa e muito bem: "primeiro estranha-se, depois entranha-se".

quinta-feira, 26 de março de 2009

O fluir do pensamento


Se as gotas de água fossem letras e se juntas formassem palavras, frases e parágrafos, seríamos todos poetas.
Beber dessa água seria como beber inspiração, criatividade e sabedoria pois, como não há duas gotas iguais, beberíamos sempre letras diferentes que juntas comporiam palavras sempre ricas e originais.
Se hoje a criatividade não tem fim, com uma água assim, letrada, seria um constante auge e uma constante reinvenção da escrita e da língua em si. Não existiriam aulas, mas sim tertúlias. Todos partilhariam as experiências e os conhecimentos únicos adquiridos através da água e seria uma partilha constante e gigantesca. Isto, claro, se não existissem egoístas e avarentos no mundo que quisessem tudo só para si. Provavelmente, os que não eram egoístas e avarentos torna-se-iam neles, sentido-se injustiçados por partilharem e não terem nada em troca. Imaginemos que nesse mundo em que a água é palavra, não existem tais pessoas. São todos inocentes, puros, gratos e altruístas. Os momentos de tertúlia entre essas pessoas seriam de compreensão interior e inconsciente, pois uma língua sem regras nem limites não pode ser entendida apenas pelo consciente, que, por vício, compartimenta e organiza as coisas do mundo. Aquilo que vive no interior é do inconsciente, porque é livre e fluido e, portanto, uma língua inconstante, efémera e ondulante só pode viver nesse local selvagem e virgem e ser compreendida de forma mais espiritual.
Pergunto-me se não será desse mundo, com essa água, que vêm alguns escritores, como Fernando Pessoa. A sua escrita é profunda, mesmo quando a intenção é ser leve e fresca, as palavras ganham vida própria, personalidade e novos sentidos e os versos são fluidos e ondulantes, cheiram a maresia e sabem a mar... Ao mar da poesia. Faço várias referências a este mar e a Fernando Pessoa. Isto porque quando leio Pessoa, vejo-me a mim, um ser um tanto plural e em constante euforia interior, que não a transparece fisicamente para o exterior, recorrendo, para a exprimir, a meios artísticos, nomeadamente à escrita e, no que toca ao mar da poesia, evoco-o porque quero alcançá-lo, não com a pretensão de se outro Pessoa, porque não possuo o seu génio, mas sim porque quero trazer alguma poesia comigo, para a deixar correr nos textos que escrevo.
Beber da poesia e mergulhar na prosa, partilhar o que aprendi e aprender com os outros e, assim, exceder-me a mim própria. É o que eu pretendo. E se para isso tenho de viajar para o mundo de onde os escritores (com E grande) vêm e tiver de beber da água letrada, tanto melhor!

domingo, 15 de março de 2009

Uma ideia, outra ideia... Devaneios

Sei que o prazo para a entrega do trabalho já passou, mas não escrevo para ser avaliada. Hoje escrevo porque escrever confere-me liberdade, alivia-me dos pesos que decidi carregar e ajuda-me a raciocinar.

Eu escrevo em qualquer lado, a qualquer instante do dia e todos os dias. Posso não transpor o que escrevo para o papel, mas ainda assim escrevo. Tudo o que penso, todas as coisas que imagino passam por uma reflexão do meu consciente (que é bastante inconsciente) e aparecem na minha mente em forma de contos. Eu não vejo o texto na minha cabeça, vejo imagens. No entanto, existe um narrador que acompanha essas imagens e conta as suas histórias.

É um processo engraçado, o de viver através de uma história narrada por um narrador interior, de voz serena e quente e ilustrada por imagens luminosas. É como se dentro de mim vivesse uma outra pessoa encarregada de me ensinar as coisas da vida através de histórias.

O meu narrador é como um rio: sempre fresco e de pulsação irregular, vai contando histórias de forma mais elaborada, à medida que segue o seu curso e evolui no seu presente, nunca parando nem revivendo o passado, a não ser que eu o peça. Sim, porque à medida que o rio da voz que conta a história da minha vida vai passando, retiro dele os contos que quero e levo-os para o lago da minha memória, para que o narrador possa contar mais tarde. Mas esses episódios nunca são contados da mesma forma. Ao original é adicionada a nostalgia e o 'fingimento poético', pelo que resultam várias versões do mesmo conto, cada uma mais dispersa, mais madura e mais elaborada da versão anterior.

Assim como Fernando Pessoa tem os seus heterónimos , sendo que um desses heterónimos é mestre, Alberto Caeiro, que o inspira, o mesmo se passa comigo e com este narrador. Ele escreve bem melhor que eu, é mais eloquente, mais poético, mais musical, mais tudo. Quando escrevo, normalmente o narrador apodera-se do teclado ou da caneta e ajuda-me a produzir texto e a progredir e quando isso não acontece, a diferença entre textos com e sem ele é enorme.

Acho que todos nós temos outro eu dentro de nós, que pode ser mais ou menos perceptível, na medida em que é mais parecido com a própria pessoa ou não (como Bernardo Soares que quase se confunde com Fernando Pessoa), mas também pela forma como intervém no nosso dia-a-dia.
É interessante conhecer esse indivíduo que está sempre presente, sendo a nossa melhor companhia na nossa eterna solidão, e que, por não ter corpo, por ser apenas espírito e ideia, acaba por ser 'omnipotente', possuindo uma sabedoria que pertence ao nosso inconsciente e que se vai revelando através do que chamamos intuição e 'visões'. Penso que, no fundo, é daí que vem da genialidade, da conversação entre o nosso eu consciente material e o nosso eu transcendente (in)consciente que nos ajuda a evoluir e amadurecer espiritual e ideologicamente. As pessoas que desenvolvem mais essa conversação, aquelas que sonham acordadas e vivem o mundo exterior através de uma perspectiva interior, intimíssima e única (e certamente fascinante), são aquelas cujo génio é genuíno e cuja obra é aparentemente difícil de compreender, mas que é apenas complexa. São exemplos de genialidade Fernando Pessoa, que através das suas múltiplas dimensões do eu, chegou, não só à sua própria unidade, mas também à da humanidade, apresentando também uma mentalidade bastante vanguardista sobre o mundo material, o seu mundo pessoal e o mundo espiritual e Albert Einstein que nos revelou a Teoria da Relatividade, que explica que espaço e tempo são relativos, que o intervalo de tempo e o comprimento não são absolutos (e pouco mais posso dizer a respeito, pois não tenho conhecimentos suficientes para a explicar bem). Exploraram-se ao máximo: sonharam, pensaram, viveram e transcenderam a mentalidade da sua época.


"Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento."
- Autobiografia sem Factos. (Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p. 93)


"A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de acção. Em melhores e mais directas palavras, o sonhador é que é o homem de acção. "
-Autobiografia sem Facto. (Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p. 110)


"A Ciência sem a Religião é coxa, a Religião sem a Ciência é cega."
- Fonte: Einstein, Albert, Ideas and Opinions, Crown Publishers, Inc., New York, 1954


"Não existe nenhum caminho lógico para a descoberta das leis elementares do universo – o único caminho é o da intuição."
- Fonte: O Pensamento Vivo de Einstein

Consultado em: www.wikiquote.com

A vida, o pensamento e a escrita são como rios, correntes de água que vão escavando a terra (o mundo) deixando a sua marca. Se as pessoas viverem, pensarem e se expressarem intensamente e com profundidade, deixarão uma marca maior e mais rica. A capacidade criadora e a sabedoria não têm limites e são acessíveis a quem estiver aberto às mesmas.
Todos podemos alcançar o génio.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Século XXI, Século XX e Sttau Monteiro

Este ano, marujos, é ano de eleições! E como neste momento estou a estudar Luís de Sttau Monteiro, que é outro do grupo dos capitães do oceano da literatura portuguesa, pensei ir à pesca duma redacção da Guidinha (uma personagem que o escritor criou para, de forma subtil, expressar o que sentia e pensava sobre o regime salazarista) que ilustrasse o ambiente das eleições de 1958, entre Humberto Delgado e Salazar.
Após algumas redes lançadas (e de algumas risadas) caiu-me peixe graúdo nas mãos molhadas que, com muito gosto, partilho com os leitores deste blog:
Eleições no Rebenta Canelas
«Ena pai o que para aqui vai por causa das eleições! ena pai! quem não conhecesse o Rebenta Canelas cá da Graça e visse o que está a acontecer até era capaz de pensar que valia a pena tomar conta dele e que os vencedores iam ganhar muito com a vitória! é claro que as pessoas que sabem como as contas andam o que querem é estar de fora ai não! enfim o melhor é eu começar do princípio senão ninguém me entende pois os sócios do Rebenta Canelas da Graça Futebol Clube vão votar uma gerência nova e há os que são do pró e os que são do contra os que são do pró votam na gerência que está à frente do clube e os que são do contra votam contra ela está-se mesmo a ver que não podia deixar de ser assim os que são do pró findam a colar cartazes a dizer que está tudo bem e como têm muito pilim andam a colar cartazes nas paredes nas árvores em toda a parte só ainda não colaram cartazes nas costas da gente porque os distribuidores não têm comissão nisso senão já estávamos cartizados que era uma limpeza os que são do contra coitados não podem colar cartazes porque se os colarem vão parar à chana por andarem a fazer propaganda contra a moral da Graça que toda a gente sabe que é muito boa mas isto ainda não é tudo não senhor o grande problema que há cá no clube é o do bufete que custa os olhos da cara aos sócios de maneira que há uns que querem o bufete e há outros que querem largá-lo esse é que é o grande problema mas não se pode falar nele não senhor porque a direcção não deixa os do contra podem falar disto e daquilo mas quem falar do bufete já sabe o que lhe acontece de maneira que as eleições do nosso Rebenta Canelas Futebol Clube da Graça são assim como um jogo de futebol em que seja proibido tocar com os pés na bola não sei se me percebem se não perceberam venham até cá ver o que se está a passar que eu prometo gargalhadas a todos mas de qualquer forma a Graça está a ser um bom exemplo para todos nisso de correcção somos todos tão correctos que nem sequer falamos das coisas que nos interessa não vá alguém ficar magoado em matéria de correcção ninguém nos leva a palma não senhor e os outros clubes podem pôr os olhos no que se está a passar na Graça porque se seguirem o nosso exemplo ficam como nós e se todos ficarem como nós deixamos de ser subdesenvolvidos porque como os outros começam a subdesenvolver-se ficamos todos iguais e ninguém nota que a gente é diferente o que é preciso é que os outros sigam o nosso exemplo palavra que o mundo vai ser bestial quando os Rebenta Canelas Futebol Clube de Londres de Paris de Nova Iorque e de Moscovo ficarem como o da Graça o que não se percebe é que eles não nos imitem sim não se percebe como é que eles vendo como a gente é bestial e sabe tudo não nos imitem às vezes penso que eles são parvos mas o meu pai diz que há uma data de anos que lê nos jornais artigos escritos por senhores bestialmente importantes a dizer que o mundo vai acabar por nos dar razão diz ele que anda a ler artigos há mais de quarenta anos e que o mudo não há meio de nos seguir o exemplo o que eu digo é que ou anda malandrice no caso ou que os directores do Rebenta Canelas estrangeiros não lêem o nosso diário de notícias da Graça quem sabe se eles falarão a nossa língua eu cá se fosse importante traduzia os artigos cá do nosso diário de notícias e mandava-lhes as traduções para ver se eles conseguem entender-nos é que se eles não seguirem o nosso exemplo vão continuar a minguar a minguar enquanto a gente cresce com as nossas boas ideias e daqui a uns anos somos uma grande potência e eles coitaditos estão todos subdesenvolviditos e lá se vai o equilíbrio do mundo sim porque quem sabe tudo somos nós e basta olhar para o diário de notícias cá da Graça para se ficar espantado com o nosso saber e com a ignorância dos outros mas além disso há outra razão para os outros seguirem o nosso exemplo que tão bons resultados está a dar e esse motivo é que é uma pena que este nosso exemplo que é tão bom e tão útil fique desperdiçado sem ninguém o aproveitar quando penso nisto que se está a passar de termos tão bons exemplos já que não podemos exportar mais nada pronto sempre exportávamos qualquer coisa cá por mim estou convencida de que a direcção ganha as eleições e que mais tarde ou mais cedo o mundo vai seguir o seu exemplo para bem da humanidade sim porque a Graça é um modelo. »

Another english poem by Pessoa

Pelo que não tive disposição de escrever na semana anterior, pois o rio do meu pensamento é como o de Fernando Pessoa e só corre condignamente após uma racionlização do sentimento, transcrevo outro poema escrito em lingua saxónica, que ilustra o que senti nos últimos dias:

«Sorrow came and wept
By my side.
Slow and light she stept
As I walked towards God
By my side.
But I can never find that Great Adobe,
And there is darkness in Descried.»

«A tristeza veio para chorar
A meu lado.
Lenta e leve pôs-se a caminhar,
Enquanto eu ia para Deus,
A meu lado.
Mas nunca consigo achar esse Grande Lar,
E há só escuridão no Divisado.»

PESSOA, Fernando. Poesia inglesa II. Assírio & Alvim. Lisboa. 2000

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Sonho, Baixa, Pessoa e Eu




Um dia a preto e branco, como uma fotografia antiga. Local: Lisboa. Estava a passear pelo Terreiro do Paço, a fitar o estuário do Tejo cinzento e calmo. Olhei para trás e vi o arco do triunfo que dá para a Rua Augusta. Senti um calor avermelhado no peito ao contemplar tal grandiosidade e beleza: uma fileira de arcadas aconchegavam-me e dirigiam o meu olhar para o grande arco. Andei na sua direcção como se estivesse hipnotizada, ficando mais pequena à medida que a sua imponência de pedra me engolia. Foi então que eu vi. Vi-o a sair do café de cabeça baixa, olhos presos no chão. Caminhava rápido e lançava pequenos olhares para trás, como se estivesse a fugir da sua própria sombra. Pus-me no seu caminho e, quando me alcançou, parou.

-Bom dia Madalena! - disse, sobressaltado com a minha presença inesperada.

- Bom dia! Estavas a fugir de quem?

O homem sorriu ligeiramente. Nunca foi muito expansivo em público.

- De mim, suponho. E dos outros também.

-Posso fugir contigo até ao fundo da rua?

-Claro.

Começámos então a nossa escapadela pela Rua Augusta. Começou a chover. À medida que a chuva caía e cantava na calçada, as pessoas corriam para os cafés para se abrigarem. Mas eu e Fernando Pessoa continuámos a passear no meio da rua.


- Gosto de andar à chuva. Principalmente quando chove assim, 'a potes'. - disse, olhando para ele- Fernando, estás tão cabisbaixo hoje... Passou-se alguma coisa?

- É a Ofelinha.... - disse baixinho, olhando para o chão.

- Ah... - intervim, ficando esclarecida. Calei-me.

Estávamos a andar, ambos calados. Pessoa tinha a sua máscara posta. Estava pesaroso, era notório, mas a sua mente é tão complexa e misteriosa que cria uma camada de água turva que nos impede de ver o fundo.
Inclinei-me até conseguir olhar para o rosto dele e sorri-lhe.

- Olha para o céu. Sente a chuva e não penses por um momento.

Não me respondeu, mas olhou para cima, para as nuvens chorosas.

- Como te sentes?

- Mais leve. Estava tão absorvido em mim que não reparei na chuvada que está a cair.

Fomos assim ao longo da rua, postura direita, sorriso leve, calados, a apreciar a rua deserta e a ouvir a melodia da chuva.
No entanto, de uma das transversais, cortou um guarda-chuva preto o horizonte chuvoso. O ponto preto começou a dirigir-se na nossa direcção. Já não era só um ponto preto, ou um guarda-chuva. Era um homem. Era Ricardo Reis!

- Então, estão os dois à chuva? Metam-se debaixo do chapéu. Se ficarem à chuva apanham uma pneumonia.

- Obrigado Ricardo, mas eu e a Madalena preferimos ficar a apanhar chuva. Não quer experimentar?

- Não, muito obrigado. Não é das coisas que me dê mais prazer. Além disso, não quero ficar doente. Acho que vão precisar de mim saudável mais tarde para tratar de vocês. Até logo.

- Até logo Ricardo. - despedi-me.

- Se calhar o Ricardo tem razão. É melhor irmo-nos abrigar.

- Disparates! Já reparaste que está tudo cinzento? Até nós estamos cinzentos.

- Sim, pois estamos. Mas o que é que isso quer dizer?

- Bom, nós não somos cinzentos. O meu cabelo é castanho, assim como o teu, os meus olhos são esverdeados e os teus castanhos, a nossa pele é 'salmão', e por aí a diante.

- Então o que é que se passa? Porque é que estamos cinzentos?

- Deve ser um sonho. Não sei se é teu, se meu, se de um desconhecido.

- Ah, sim! E se estamos num sonho, não podemos ficar doentes, por isso, podemos andar à chuva o tempo que quisermos.

-Melhor! Podemos fazer o que bem entendermos porque as pessoas que vemos não são reais, logo não temos de nos preocupar com as aparências. E sabes o que me apetece agora? - Fiz uma ligeira pausa - Quero dançar!

- Dançar?! Agora?

- Sim, agora. Acompanhas-me?

- Não sei, Madalena.... Os sonhos são tão irreais... Não me parece palusível. Devemos ser prudentes.

- Estamos num sonho! Podes ser tu mesmo! Podes desmascarar-te. Não tens de ter medo... Então, vens? - perguntei-lhe, estendendo-lhe a mão.

Pessoa agarrou a minha mão e conduziu-me numa dança sem regras, num estilo que só os dois entendíamos e ao som de uma melodia tão pura e única como é a da chuva caindo na calçada.

Dançámos.
Dançámos, dançámos, dançámos
E dançámos pela Baixa fora.
Dançámos todos os miradouros,
Todas as ruas,
Todos os cafés,
Todas as praças,
Todos os teatros,
Todos os cantos e recantos desta trama viva.
A Baixa.

E as pessoas não viam,
Só passavam, corriam, conversavam, riam.
Mas não viam
E não dançavam
Nem sentiam a chuva
Eram meras sombras de si próprias presas num sonho.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Relatório da Visita de Estudo


Lisboa de Pessoa



A visita começou pelas 15h da tarde quando a turma e os professores se reuniram junto à antiga Loja das Meias, para a Vera apresentar um dos espaços de Fernando Pessoa, a firma 'Lima Mayer & Perfeito de Magalhães' onde trabalhou na rua da Betesga. Seguimos para o Rossio, para o local onde ficava o café 'Irmãos Unidos', onde se encontrava uma pintura de Almada Negreiros que actualmente está na Casa Pessoa e onde Pessoa ia comer, entre outras coisas melão com presunto. Voltámos a relembrar que Carlos Mardel foi o engenheiro que desenhou a Praça do Rossio e podemos verificá-lo através dos telhados à alemã. O professor de geometria falou da história da estátua de D. Pedro IV, que não é dele, ou seja, a figura que está no Rossio corresponde ao imperador Maximiliano, em vez de a D. Pedro IV. Depois fomos ver a Tabacaria Mónaco, que fica na parte ocidental do Rossio, que é conhecida por rua dos cafés. Esta tabacaria tem azulejos que se inserem na Arte Nova ilustrando a fábula da Cegonha e do Sapo/Rã, talha no interior e tecto abobadado, pintado. Também falámos do café Nicola, que já não é o original, assim como as pinturas que estão no seu interior.



Seguimos depois para a Rua Arco da Bandeira. Vimos o animatógrafo, um edifício com características da Arte Nova, nomeadamente a decoração das portas, ondulante, de formas orgânicas e em metal. Nessa rua a Nadine apresentou o restaurante 'O Bacalhoeiro', que antigamente era o café 'Áurea Peninsular' onde Fernando Pessoa se encontrava com Mário Sá-Carneiro. Fomos em direcção à estação do Rossio. Pelo caminho, situámos a antiga Brasileira, que fica num edifício do Milenium e outros cafés. Junto da Estação do Rossio localizámos a casa de Ofélia Queiróz e o Café Martinho, onde Pessoa observava a sua amada. Depois entrámos na estação, na gare e vimos alguns painéis de azulejos de Lima de Freitas, de cariz simbólico, esotérico e nacionalista, à semelhança da Mensagem. Do lado oposto estavam outros painéis de azulejos, estes colocados durante o Estado Novo e homenageavam as indústrias.



Saindo da estação dirigimo-nos para o Restaurante Leão D'Ouro, local onde os Naturalistas portugueses, tais como José Malhoa, Bordal Pinheiro, entre outros, se reuniam (neste restaurante encontra-se um quadro com os Naturalistas, que fora pintado numa sala ao lado do actual restaurante, local onde ficava o antigo Leão Pobre). Neste restaurante também Fernando Pessoa se encontrava com os amigos e discutia e conversava sobre poemas, trabalho, política, etc. Fernando Pessoa não gostava de conversas triviais, nem se sentia bem com mulheres, ficando constrangido, nem se embebedava à frente dos amigos, pois gostava de mostrar o autocontrole de um gentleman.



A seguir fomos para a rua 1º de Dezembro, vimos o 'Fantasma de Fernando Pessoa' e o Banco de Portugal, que é a porta das traseiras da Tabacaria Mónaco. Depois subimos a Rua do Carmo e o professor de geometria fez uma observação sobre a arcaria de Lionel Gaia, que trava as terras que sustentam o Convento do Carmo. Fomos para junto dos Armazéns do Chiado, onde ficava o estúdio de fotografia em que Fernando Pessoa foi retratado "na cadeira". Na Calçada do Sacramento o professor chamou a atenção para o sítio que fora a primeira Universidade de Lisboa, 'encomendada' por D. Dinis. Passámos pelo Convento do Carmo até ao elevador de Santa Justa, de onde vimos Lisboa. Voltámos para o Largo do Carmo, onde se falou da primeira vez que Pessoa viveu sozinho, no prédio nº18-1º esq. Fernando Pessoa sentia-se muito sozinho naquela casa, naquela calma. Do seu quarto Pessoa via o céu através de uma moldura de pedra, que outrora fora uma janela, dizendo que via o mar dali (o céu para F.P. era o mar). Também arranjou o primeiro emprego como redactor de correspondência estrangeira nas empresas comerciais.



A caminho da Rua da Trindade vimos alguns edifícios revestidos por azulejos de estilo industrial, que conferiam à estrutura alguma leveza, contrastando com a pintura opaca dos restantes prédios. Na Rua da Trindade vimos um edifício, também com a fachada coberta de azulejos que compunham imagens simbólicas, que remetem para a Quinta da Regaleira (símbolo da Terra no lado esquerdo e Água no lado direito, algumas figuras de deuses gregos e um símbolo da Maçonaria, a Trindade- um triângulo com um olho ao centro).



Partimos para a basílica dos Mártires, construída na época de D. Afonso Henriques para agradecer a Deus, à Virgem Maria e aos Templários pela conquista da cidade de Lisboa (Lixbuna, como era intitulada pelos Árabes). Foi nesta basílica, reconstruída após o terramoto, Fernando Pessoa ingressou na comunidade católica através do baptismo. O professor de geometria fez uma nova intervenção e realçou o facto de as igrejas portuguesas terem a forma de uma caixa, incluindo a basílica, dando maior importância ao trabalho na fachada e no interior, decorado no caso da basílica dos Mártires ao estilo barroco, com painéis da autoria de Pedro Alexandrino. Entrámos na basílica para captarmos o seu ambiente: um espaço bastante amplo, com a pia baptismal em frente à entrada da esquerda; um corredor que conduz para o altar, delimitado por duas colunas de bancos; nas extremidades da basílica encontram-se pequenos altares, com quadros e outros adornos, que celebram a Virgem Maria; o tecto é abobadado e encontra-se pintado.


Quando saímos da basílica deu-se por terminada a primeira parte da visita de estudo, com uma pausa para descansar e comer.


Posteriormente dirigimo-nos para o café 'A Brasileira', na esplanada do qual se encontra uma estátua de Fernando Pessoa. Neste café reuniam-se personagens de muitas correntes artísticas e literárias. Os quadros que decoram o interior estão lá expostos desde 1971. Os professores de geometria e português comentaram que no Chiado havia muitos hóteis e livrarias, dando o exemplo de um hotel e luxo que ficava onde é actualmente os 'Seguros Fidelidade Mundial'. A professora de português também informou de que Fernando Pessoa comprava tabaco na 'Casa Havaneza', junto à Brasileira.


Prosseguimos para a Rua António Cardoso, antigo Picadeiro Real, de onde fomos para o largo de S. Carlos. Neste espaço vimos o prédio onde Fernando Pessoa nasceu, nº4 - 4º esq., onde também se encontrava o Sinéridrio Republicano, no 2º andar, e o teatro de S. Carlos, onde o pai de Pessoa trabalhou como crítico musical para o Diário de Notícias. Dirigimo-nos para o Largo da Academia Nacional das Belas Artes. Neste local vimos a Universidade de Belas Artes e, visto que estávamos num local elevado da cidade, o grupo do Vasco, Miguel e Rodrigo fizeram as suas apresentações, que incidiam sobretudo nos miradouros da cidade e foi referido o Miradouro Senhora do Monte, que se via deste largo.

Descemos até à Rua do Ouro. Lá falou-se de uma firma de comissões e consignações, nº 87, fundada por Fernando Pessoa. Foi comentado que este passava, em média, um ou dois anos em cada emprego. Foi lido um excerto do poema 'Tabacaria', da terceira fase de Álvaro de Campos. Nesta Rua, também foi apresentada o Campo das Cebolas, mais especificamente, o escritório da firma Xavier Pinto & Cª, 43-1º, onde trabalhou e trocou muita correspondência entre 1915 e 1917 e a Rua de S. Julião, onde o poeta trabalhou na firma (A. Xavier Pinto & Cª), nº101 - Fernando Pessoa recebeu a notícia do suicídio de Mário Sá-Carneiro - um escritório pessoal, nº52-1º, e dirigiu uma firma de representação no nº41-3º.

De seguida fomos até ao café restaurante Martinho da Arcada, cuja decoração se baseia em fotos e versos de Fernando Pessoa. Vimos a mesa onde Pessoa se sentava frequentemente com Mário Sá-Carneiro. A Bruna e a Diana também referiram um encontro que Fernando Pessoa marcou com Ofélia, lendo uma carta que lhe escrevera. A partir desta carta entendemos o quão perfeccionista, organizado e reservado era o poeta tentando evitar ao máximo expor a sua paixão ao público.

Continuámos com as apresentações da Bruna e da Diana no Terreiro do Paço, numa galeria. Foi lido um excerto da 'Ode Marítima' que ilustrava a relação que Pessoa tinha com o mar. Foi referido que Fernando Pessoa ortónimo, Álvaro de Campos e Bernardo Soares abordavam o mar nas suas produções escritas, assim como também encontramos algumas referências à água, nomeadamente ao rio em Ricardo Reis, e que Alberto Caeiro não escrevia sobre o mar devido à sua 'ideologia finita'. De seguida foi apresentada a Rua da Alfândega, caracterizada pelos diversos cheiros. Como o grupo não encontrou referências sobre o local, resolveu fazer o próprio poema.

Seguimos para a Rua da Conceição, rua onde estão dois prédios chanfrados, o que confere mais espaço exterior nos largos. Neste local foi tirada a foto 'em flagrante delitro', num dos locais onde Pessoa descontraía e tomava um copo de vinho, que foi posteriormente enviada a Ofélia. Nesta rua também foram apresentadas duas firmas, uma na Rua da Vitória e outra na Rua dos Fanqueiros, onde o poeta escreveu excertos do Livro do Desassossego, a Rua da Madalena, nº109, onde este teve um emprego na primeira sede de uma empresa de importação chamada Casa Serra, a Rua dos Douradores, onde há um restaurante com o nome 'Restaurante Pessoa', que era um cliente habitual, a Rua da Assunção, onde se situava o café 'Montanhas' e no nº42 a firma Félix, Valladas & Freitas, Ldª' e a editora Olissipo, nº58-2º, a Rua Augusta - a Casa Serras, no nº228-1º, local de emprego onde escreveu bastante, a Rua da Prata, no nº 267-1ºdtº, firma 'Lavado, Pinto e Cª', local onde Ofélia e Fernando Pessoa se conheceram.

Depois de todas as apresentações concluídas ainda tentámos visitar a igreja S. Domingos, mas esta estava fechada, por isso, deu-se por terminada a visita.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

S. Valentim

«Fiquei louco, fiquei tonto,
Meus beijos foram sem conto,
Apartei-a contra mim,Enlacei-a nos meus braços,
Embriaguei-me de abraços,
Fiquei louco e foi assim.

Dá-me beijos, dá-me tantos
Que enleado em teus encantos,
Preso nos abraços teus,
Eu não sinta a própria alma, ave perdida
No azul-amor dos teus céus.

Boquinha dos meus amores,
Lindinha como as flores,
Minha boneca que tem
Bracinhos para enlaçar-me
E tantos beijos p'ra dar-me
Quantos eu lhes dou também.

Botão de rosa menina,
Carinhosa, pequenina,
Corpinho de tentação,
Vem morar na minha vida,
Dá em ti terna guarida
Ao meu pobre coração.

Não descanso, não projecto,
Nada certo e sempre inquieto
Quando te não vejo, amor,
Por te beijar e não beijo,
Por não me encher o desejo
Mesmo o meu beijo maior.

Ai que tortura, que fogo,
Se estou perto d'ela é logo
Uma névoa em meu olhar,
Uma núvem em minha alma,
Perdida de toda a calma,
E eu sem a poder achar.»

De Fernando Pessoa para Ophélia

Também Fernando Pessoa sentiu as águas quentes e agitadas da paixão...