domingo, 17 de maio de 2009

E chora Blimunda

Eu, Blimunda, choro-vos pois as vossas vontades desapareceram. As vontades do campo e do mar voaram com o vento dos sonhos para um outro mundo, mais próximo de Deus. Assim, as almas das pessoas comuns deambulam vazias pelos campos e mares, fitando o céu com os dois espelhos baços que já nem chorar podem, pois para chorar é necessário sentir e uma alma vazia não sente, porque sem sonho não há vontade e sem vontade a alma fica amorfa, repercutindo-se exteriormente sob a forma de apatia mental e emocional. Por isso choro-vos porque chorar não podeis vós, sinto por vós e rogo a Deus por vós, mas a voz Dele chega trémula aos meus ouvidos. Também ele chora com o que vê, um mundo escasso de nuvens fechadas, sim, porque ainda há vontades, são as vontades dos homens de poder, que têm dinheiro e protegem-se mutuamente na injustiça e, portanto, através da injustiça controlam as almas daqueles que, perdendo a fé na terra e no céu não têm onde se agarrar e seguem os que vivem na sua própria peça de teatro, no seu cenário em talha, cortinados de tecidos ricos e pesados, ouro, jóias, festas, procissões, carros, obras, novos projectos, discursos sobre como tudo está maravilhoso. Toda esta ilusão cria nas almas das pessoas humildes um sonho falso, não da própria pessoa, mas sim impingido à pessoa que vive desamparada no desespero de uma vida de sofrimento e luta e que assim se deixa levar, arrastada nessa ilusão de passarola que esconde o mundo raquítico, que cabe num convento, o mundo em que vivemos.

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