quarta-feira, 13 de maio de 2009

Cai a chuva, escorrem ideias

A chuva cai algumas vezes durante a obra Memorial do convento e quando cai, cai 'cá fora' também- As palavras escorrem horizontais pelas páginas do livro e aleatoriamente escorrem as gotas da chuva, escritas na horizontal na página do livro, pela minha imaginação fora e dentro, porque é no meu cérebro, nomeadamente no hemisfério direito, que se cria o mundo do imaginário, das imagens dadas pelas palavras escritas na horizontal das páginas do meu livro, que são traduzidas singular e pluralmente, numa euforia de sentimentos, emoções e visões, pelo tal hemisfério direito, que sem o esquerdo viveria na minha cabeça atrofiado e desarmonizado (por não ter com o que se harmonizar) e em constante inquietação e devaneio, porque viver apenas através da vontade e imaginação não é saudável, há que ter o freio da razão, pelo teco do hemisfério esquerdo, para manter o tico do direito preso pelo fio que o impede de voar para longe, tão longe que se perderia no infinito do universo do fantástico e das possibilidades improváveis, enfim, as chuvas do livro continuam a cair aleatoriamente, agora a escorrer pela minha face, sim, porque a imaginação é assim, as letras do livro começam por se transformar em gotas de chuva e esborratam a página, depois a luz do nosso candeeiro apaga-se e sentimos o frio da água a bater na nossa pele e quando damos por isso já estamos molhados ao lado de Blimunda e Baltasar, que seguem o seu caminho para a morada da passarola, arrastando os pés na lama, cansados mas satisfeitos por se terem um ao outro, a companhia silenciosa de duas almas que se completam na sua humildade. No fim, quando o cansaço e o sono nos invadem, o quadro vivo formado na nossa mente projectado à frente dos nossos olhos e que nos envolve densamente, mais densa quanto mais apaixonante o livro, começa a desvanecer-se, a luz do candeeiro reaparece atrás de nós e já estamos secos e quentes, recostados no almofadão fofo, olhamos para as páginas e os borrões desapareceram, voltaram à forma original, à de linha torneada em letra. Após verificar que a realidade (se é que é realidade e não mais um sonho de um outro eu ou de outrem que fez de nós personagem principal e uma vida inteira, os 100 anos do sonhado serão só e apenas as oito horas do sonhador e quando o sonhador acordar será a nossa morte), continuando, ao verificar que tudo está como deve estar fechamos o livro, passamos a mão pela capa, pousamo-lo na mesa da secretária e vamos dormir também.

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