quinta-feira, 26 de março de 2009

O fluir do pensamento


Se as gotas de água fossem letras e se juntas formassem palavras, frases e parágrafos, seríamos todos poetas.
Beber dessa água seria como beber inspiração, criatividade e sabedoria pois, como não há duas gotas iguais, beberíamos sempre letras diferentes que juntas comporiam palavras sempre ricas e originais.
Se hoje a criatividade não tem fim, com uma água assim, letrada, seria um constante auge e uma constante reinvenção da escrita e da língua em si. Não existiriam aulas, mas sim tertúlias. Todos partilhariam as experiências e os conhecimentos únicos adquiridos através da água e seria uma partilha constante e gigantesca. Isto, claro, se não existissem egoístas e avarentos no mundo que quisessem tudo só para si. Provavelmente, os que não eram egoístas e avarentos torna-se-iam neles, sentido-se injustiçados por partilharem e não terem nada em troca. Imaginemos que nesse mundo em que a água é palavra, não existem tais pessoas. São todos inocentes, puros, gratos e altruístas. Os momentos de tertúlia entre essas pessoas seriam de compreensão interior e inconsciente, pois uma língua sem regras nem limites não pode ser entendida apenas pelo consciente, que, por vício, compartimenta e organiza as coisas do mundo. Aquilo que vive no interior é do inconsciente, porque é livre e fluido e, portanto, uma língua inconstante, efémera e ondulante só pode viver nesse local selvagem e virgem e ser compreendida de forma mais espiritual.
Pergunto-me se não será desse mundo, com essa água, que vêm alguns escritores, como Fernando Pessoa. A sua escrita é profunda, mesmo quando a intenção é ser leve e fresca, as palavras ganham vida própria, personalidade e novos sentidos e os versos são fluidos e ondulantes, cheiram a maresia e sabem a mar... Ao mar da poesia. Faço várias referências a este mar e a Fernando Pessoa. Isto porque quando leio Pessoa, vejo-me a mim, um ser um tanto plural e em constante euforia interior, que não a transparece fisicamente para o exterior, recorrendo, para a exprimir, a meios artísticos, nomeadamente à escrita e, no que toca ao mar da poesia, evoco-o porque quero alcançá-lo, não com a pretensão de se outro Pessoa, porque não possuo o seu génio, mas sim porque quero trazer alguma poesia comigo, para a deixar correr nos textos que escrevo.
Beber da poesia e mergulhar na prosa, partilhar o que aprendi e aprender com os outros e, assim, exceder-me a mim própria. É o que eu pretendo. E se para isso tenho de viajar para o mundo de onde os escritores (com E grande) vêm e tiver de beber da água letrada, tanto melhor!

domingo, 15 de março de 2009

Uma ideia, outra ideia... Devaneios

Sei que o prazo para a entrega do trabalho já passou, mas não escrevo para ser avaliada. Hoje escrevo porque escrever confere-me liberdade, alivia-me dos pesos que decidi carregar e ajuda-me a raciocinar.

Eu escrevo em qualquer lado, a qualquer instante do dia e todos os dias. Posso não transpor o que escrevo para o papel, mas ainda assim escrevo. Tudo o que penso, todas as coisas que imagino passam por uma reflexão do meu consciente (que é bastante inconsciente) e aparecem na minha mente em forma de contos. Eu não vejo o texto na minha cabeça, vejo imagens. No entanto, existe um narrador que acompanha essas imagens e conta as suas histórias.

É um processo engraçado, o de viver através de uma história narrada por um narrador interior, de voz serena e quente e ilustrada por imagens luminosas. É como se dentro de mim vivesse uma outra pessoa encarregada de me ensinar as coisas da vida através de histórias.

O meu narrador é como um rio: sempre fresco e de pulsação irregular, vai contando histórias de forma mais elaborada, à medida que segue o seu curso e evolui no seu presente, nunca parando nem revivendo o passado, a não ser que eu o peça. Sim, porque à medida que o rio da voz que conta a história da minha vida vai passando, retiro dele os contos que quero e levo-os para o lago da minha memória, para que o narrador possa contar mais tarde. Mas esses episódios nunca são contados da mesma forma. Ao original é adicionada a nostalgia e o 'fingimento poético', pelo que resultam várias versões do mesmo conto, cada uma mais dispersa, mais madura e mais elaborada da versão anterior.

Assim como Fernando Pessoa tem os seus heterónimos , sendo que um desses heterónimos é mestre, Alberto Caeiro, que o inspira, o mesmo se passa comigo e com este narrador. Ele escreve bem melhor que eu, é mais eloquente, mais poético, mais musical, mais tudo. Quando escrevo, normalmente o narrador apodera-se do teclado ou da caneta e ajuda-me a produzir texto e a progredir e quando isso não acontece, a diferença entre textos com e sem ele é enorme.

Acho que todos nós temos outro eu dentro de nós, que pode ser mais ou menos perceptível, na medida em que é mais parecido com a própria pessoa ou não (como Bernardo Soares que quase se confunde com Fernando Pessoa), mas também pela forma como intervém no nosso dia-a-dia.
É interessante conhecer esse indivíduo que está sempre presente, sendo a nossa melhor companhia na nossa eterna solidão, e que, por não ter corpo, por ser apenas espírito e ideia, acaba por ser 'omnipotente', possuindo uma sabedoria que pertence ao nosso inconsciente e que se vai revelando através do que chamamos intuição e 'visões'. Penso que, no fundo, é daí que vem da genialidade, da conversação entre o nosso eu consciente material e o nosso eu transcendente (in)consciente que nos ajuda a evoluir e amadurecer espiritual e ideologicamente. As pessoas que desenvolvem mais essa conversação, aquelas que sonham acordadas e vivem o mundo exterior através de uma perspectiva interior, intimíssima e única (e certamente fascinante), são aquelas cujo génio é genuíno e cuja obra é aparentemente difícil de compreender, mas que é apenas complexa. São exemplos de genialidade Fernando Pessoa, que através das suas múltiplas dimensões do eu, chegou, não só à sua própria unidade, mas também à da humanidade, apresentando também uma mentalidade bastante vanguardista sobre o mundo material, o seu mundo pessoal e o mundo espiritual e Albert Einstein que nos revelou a Teoria da Relatividade, que explica que espaço e tempo são relativos, que o intervalo de tempo e o comprimento não são absolutos (e pouco mais posso dizer a respeito, pois não tenho conhecimentos suficientes para a explicar bem). Exploraram-se ao máximo: sonharam, pensaram, viveram e transcenderam a mentalidade da sua época.


"Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento."
- Autobiografia sem Factos. (Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p. 93)


"A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de acção. Em melhores e mais directas palavras, o sonhador é que é o homem de acção. "
-Autobiografia sem Facto. (Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p. 110)


"A Ciência sem a Religião é coxa, a Religião sem a Ciência é cega."
- Fonte: Einstein, Albert, Ideas and Opinions, Crown Publishers, Inc., New York, 1954


"Não existe nenhum caminho lógico para a descoberta das leis elementares do universo – o único caminho é o da intuição."
- Fonte: O Pensamento Vivo de Einstein

Consultado em: www.wikiquote.com

A vida, o pensamento e a escrita são como rios, correntes de água que vão escavando a terra (o mundo) deixando a sua marca. Se as pessoas viverem, pensarem e se expressarem intensamente e com profundidade, deixarão uma marca maior e mais rica. A capacidade criadora e a sabedoria não têm limites e são acessíveis a quem estiver aberto às mesmas.
Todos podemos alcançar o génio.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Século XXI, Século XX e Sttau Monteiro

Este ano, marujos, é ano de eleições! E como neste momento estou a estudar Luís de Sttau Monteiro, que é outro do grupo dos capitães do oceano da literatura portuguesa, pensei ir à pesca duma redacção da Guidinha (uma personagem que o escritor criou para, de forma subtil, expressar o que sentia e pensava sobre o regime salazarista) que ilustrasse o ambiente das eleições de 1958, entre Humberto Delgado e Salazar.
Após algumas redes lançadas (e de algumas risadas) caiu-me peixe graúdo nas mãos molhadas que, com muito gosto, partilho com os leitores deste blog:
Eleições no Rebenta Canelas
«Ena pai o que para aqui vai por causa das eleições! ena pai! quem não conhecesse o Rebenta Canelas cá da Graça e visse o que está a acontecer até era capaz de pensar que valia a pena tomar conta dele e que os vencedores iam ganhar muito com a vitória! é claro que as pessoas que sabem como as contas andam o que querem é estar de fora ai não! enfim o melhor é eu começar do princípio senão ninguém me entende pois os sócios do Rebenta Canelas da Graça Futebol Clube vão votar uma gerência nova e há os que são do pró e os que são do contra os que são do pró votam na gerência que está à frente do clube e os que são do contra votam contra ela está-se mesmo a ver que não podia deixar de ser assim os que são do pró findam a colar cartazes a dizer que está tudo bem e como têm muito pilim andam a colar cartazes nas paredes nas árvores em toda a parte só ainda não colaram cartazes nas costas da gente porque os distribuidores não têm comissão nisso senão já estávamos cartizados que era uma limpeza os que são do contra coitados não podem colar cartazes porque se os colarem vão parar à chana por andarem a fazer propaganda contra a moral da Graça que toda a gente sabe que é muito boa mas isto ainda não é tudo não senhor o grande problema que há cá no clube é o do bufete que custa os olhos da cara aos sócios de maneira que há uns que querem o bufete e há outros que querem largá-lo esse é que é o grande problema mas não se pode falar nele não senhor porque a direcção não deixa os do contra podem falar disto e daquilo mas quem falar do bufete já sabe o que lhe acontece de maneira que as eleições do nosso Rebenta Canelas Futebol Clube da Graça são assim como um jogo de futebol em que seja proibido tocar com os pés na bola não sei se me percebem se não perceberam venham até cá ver o que se está a passar que eu prometo gargalhadas a todos mas de qualquer forma a Graça está a ser um bom exemplo para todos nisso de correcção somos todos tão correctos que nem sequer falamos das coisas que nos interessa não vá alguém ficar magoado em matéria de correcção ninguém nos leva a palma não senhor e os outros clubes podem pôr os olhos no que se está a passar na Graça porque se seguirem o nosso exemplo ficam como nós e se todos ficarem como nós deixamos de ser subdesenvolvidos porque como os outros começam a subdesenvolver-se ficamos todos iguais e ninguém nota que a gente é diferente o que é preciso é que os outros sigam o nosso exemplo palavra que o mundo vai ser bestial quando os Rebenta Canelas Futebol Clube de Londres de Paris de Nova Iorque e de Moscovo ficarem como o da Graça o que não se percebe é que eles não nos imitem sim não se percebe como é que eles vendo como a gente é bestial e sabe tudo não nos imitem às vezes penso que eles são parvos mas o meu pai diz que há uma data de anos que lê nos jornais artigos escritos por senhores bestialmente importantes a dizer que o mundo vai acabar por nos dar razão diz ele que anda a ler artigos há mais de quarenta anos e que o mudo não há meio de nos seguir o exemplo o que eu digo é que ou anda malandrice no caso ou que os directores do Rebenta Canelas estrangeiros não lêem o nosso diário de notícias da Graça quem sabe se eles falarão a nossa língua eu cá se fosse importante traduzia os artigos cá do nosso diário de notícias e mandava-lhes as traduções para ver se eles conseguem entender-nos é que se eles não seguirem o nosso exemplo vão continuar a minguar a minguar enquanto a gente cresce com as nossas boas ideias e daqui a uns anos somos uma grande potência e eles coitaditos estão todos subdesenvolviditos e lá se vai o equilíbrio do mundo sim porque quem sabe tudo somos nós e basta olhar para o diário de notícias cá da Graça para se ficar espantado com o nosso saber e com a ignorância dos outros mas além disso há outra razão para os outros seguirem o nosso exemplo que tão bons resultados está a dar e esse motivo é que é uma pena que este nosso exemplo que é tão bom e tão útil fique desperdiçado sem ninguém o aproveitar quando penso nisto que se está a passar de termos tão bons exemplos já que não podemos exportar mais nada pronto sempre exportávamos qualquer coisa cá por mim estou convencida de que a direcção ganha as eleições e que mais tarde ou mais cedo o mundo vai seguir o seu exemplo para bem da humanidade sim porque a Graça é um modelo. »

Another english poem by Pessoa

Pelo que não tive disposição de escrever na semana anterior, pois o rio do meu pensamento é como o de Fernando Pessoa e só corre condignamente após uma racionlização do sentimento, transcrevo outro poema escrito em lingua saxónica, que ilustra o que senti nos últimos dias:

«Sorrow came and wept
By my side.
Slow and light she stept
As I walked towards God
By my side.
But I can never find that Great Adobe,
And there is darkness in Descried.»

«A tristeza veio para chorar
A meu lado.
Lenta e leve pôs-se a caminhar,
Enquanto eu ia para Deus,
A meu lado.
Mas nunca consigo achar esse Grande Lar,
E há só escuridão no Divisado.»

PESSOA, Fernando. Poesia inglesa II. Assírio & Alvim. Lisboa. 2000