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segunda-feira, 25 de maio de 2009

'Vocabularizando'

Eu, que ando junto ao chão como um pequeno saramago, fui abençoada com um demónio, o meu narrador, que me faz companhia nas horas mais solitárias, discutindo comigo os mais variados temas, assim como também me ajuda a decidir que caminho devo seguir. Com ele divirto-me, viajando pelo tempo vertical, não cronológico, o tempo simultâneo em que passado, presente e futuro não o são, sendo apenas tempo, acontecendo todos ao mesmo tempo no espaço da minha alma.
Para que tal fenómeno metafísico pudesse acontecer em mim, tive de ser persignada pelo Universo e pela relatividade e, com um abrenunso divino, etéreo, 'Fiat lux!' e um demónio surgiu dessa luz para me ensinar e acompanhar.
Agora passeio-me pelo tempo e pelo espaço, criando sonhos e vontades que me ajudem a construir o meu pequeno memorial, para que este se possa reunir em convento com os restantes memoriais da história, independentemente do seu tamanho físico ou grandeza contextual.
Pelo caminho construirei a minha passarola e elevar-me-ei ao último patamar de mim mesma. No entanto, há que não esquecer os dominicanos, cães de Deus, que se escondem por trás das máscaras e só no Carnaval podemos ter um vislumbre daquilo que realmente são, acuadores de almas pequenas, como a minha, que não ambiciona nenhum convento, somente uma passarola que voe para mim, que me encontre e que me acorde, pois eu passei demasiado tempo adormecida num mundo em que eslavos passaram a escravos.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Surpresas


Numa transição de um período para o outro, deixo-vos um gostinho da dimensão poética de José Saramago com o poema 'Intimidade':

«No coração da mina mais secreta,
No interior do fruto mais distante,
Na vibração da nota mais discreta,
No búzio mais convolto e ressoante,

Na camada mais densa da pintura,
Na veia que no corpo mais nos sonde,
Na palavra que diga mais brandura,
Na raiz que mais desce, mais esconde,

No silêncio mais fundo desta pausa,
Em que a vida se fez perenidade,
Procuro a tua mão, decifro a causa
De querer e não crer, final, intimidade.»
José Saramago

Consultado em http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/j.saramago.html



"Procuro a tua mão, decifro a causa/ De querer e não crer, final, intimidade". Ora que situação embaraçosa esta! Eu que mesmo reconhecendo a sabedoria de Saramago, nunca simpatizei com a sua obra, vejo-me pegar numa das suas várias mãos (a memorial!) e querer ganhar a sua intimidade! Se no início pegava nela por obrigação, como tive de pegar na da minha mãe para atravessar a estrada, quando pequena, agora pego na memorial com carinho, arrastando os olhos e os dedos vagarosamente, apreciando a estética sólida da página, as veias pretas donde fluem vocábulos ricos, nutrientes para a minha alma de artista e vejo-me a desejar entrar na sua história, vivê-la enquanto a leio em vez de lê-la de rompante para ir viver noutro lado qualquer.
Já nada me surpreende e como diz Pessoa e muito bem: "primeiro estranha-se, depois entranha-se".

segunda-feira, 9 de março de 2009

Século XXI, Século XX e Sttau Monteiro

Este ano, marujos, é ano de eleições! E como neste momento estou a estudar Luís de Sttau Monteiro, que é outro do grupo dos capitães do oceano da literatura portuguesa, pensei ir à pesca duma redacção da Guidinha (uma personagem que o escritor criou para, de forma subtil, expressar o que sentia e pensava sobre o regime salazarista) que ilustrasse o ambiente das eleições de 1958, entre Humberto Delgado e Salazar.
Após algumas redes lançadas (e de algumas risadas) caiu-me peixe graúdo nas mãos molhadas que, com muito gosto, partilho com os leitores deste blog:
Eleições no Rebenta Canelas
«Ena pai o que para aqui vai por causa das eleições! ena pai! quem não conhecesse o Rebenta Canelas cá da Graça e visse o que está a acontecer até era capaz de pensar que valia a pena tomar conta dele e que os vencedores iam ganhar muito com a vitória! é claro que as pessoas que sabem como as contas andam o que querem é estar de fora ai não! enfim o melhor é eu começar do princípio senão ninguém me entende pois os sócios do Rebenta Canelas da Graça Futebol Clube vão votar uma gerência nova e há os que são do pró e os que são do contra os que são do pró votam na gerência que está à frente do clube e os que são do contra votam contra ela está-se mesmo a ver que não podia deixar de ser assim os que são do pró findam a colar cartazes a dizer que está tudo bem e como têm muito pilim andam a colar cartazes nas paredes nas árvores em toda a parte só ainda não colaram cartazes nas costas da gente porque os distribuidores não têm comissão nisso senão já estávamos cartizados que era uma limpeza os que são do contra coitados não podem colar cartazes porque se os colarem vão parar à chana por andarem a fazer propaganda contra a moral da Graça que toda a gente sabe que é muito boa mas isto ainda não é tudo não senhor o grande problema que há cá no clube é o do bufete que custa os olhos da cara aos sócios de maneira que há uns que querem o bufete e há outros que querem largá-lo esse é que é o grande problema mas não se pode falar nele não senhor porque a direcção não deixa os do contra podem falar disto e daquilo mas quem falar do bufete já sabe o que lhe acontece de maneira que as eleições do nosso Rebenta Canelas Futebol Clube da Graça são assim como um jogo de futebol em que seja proibido tocar com os pés na bola não sei se me percebem se não perceberam venham até cá ver o que se está a passar que eu prometo gargalhadas a todos mas de qualquer forma a Graça está a ser um bom exemplo para todos nisso de correcção somos todos tão correctos que nem sequer falamos das coisas que nos interessa não vá alguém ficar magoado em matéria de correcção ninguém nos leva a palma não senhor e os outros clubes podem pôr os olhos no que se está a passar na Graça porque se seguirem o nosso exemplo ficam como nós e se todos ficarem como nós deixamos de ser subdesenvolvidos porque como os outros começam a subdesenvolver-se ficamos todos iguais e ninguém nota que a gente é diferente o que é preciso é que os outros sigam o nosso exemplo palavra que o mundo vai ser bestial quando os Rebenta Canelas Futebol Clube de Londres de Paris de Nova Iorque e de Moscovo ficarem como o da Graça o que não se percebe é que eles não nos imitem sim não se percebe como é que eles vendo como a gente é bestial e sabe tudo não nos imitem às vezes penso que eles são parvos mas o meu pai diz que há uma data de anos que lê nos jornais artigos escritos por senhores bestialmente importantes a dizer que o mundo vai acabar por nos dar razão diz ele que anda a ler artigos há mais de quarenta anos e que o mudo não há meio de nos seguir o exemplo o que eu digo é que ou anda malandrice no caso ou que os directores do Rebenta Canelas estrangeiros não lêem o nosso diário de notícias da Graça quem sabe se eles falarão a nossa língua eu cá se fosse importante traduzia os artigos cá do nosso diário de notícias e mandava-lhes as traduções para ver se eles conseguem entender-nos é que se eles não seguirem o nosso exemplo vão continuar a minguar a minguar enquanto a gente cresce com as nossas boas ideias e daqui a uns anos somos uma grande potência e eles coitaditos estão todos subdesenvolviditos e lá se vai o equilíbrio do mundo sim porque quem sabe tudo somos nós e basta olhar para o diário de notícias cá da Graça para se ficar espantado com o nosso saber e com a ignorância dos outros mas além disso há outra razão para os outros seguirem o nosso exemplo que tão bons resultados está a dar e esse motivo é que é uma pena que este nosso exemplo que é tão bom e tão útil fique desperdiçado sem ninguém o aproveitar quando penso nisto que se está a passar de termos tão bons exemplos já que não podemos exportar mais nada pronto sempre exportávamos qualquer coisa cá por mim estou convencida de que a direcção ganha as eleições e que mais tarde ou mais cedo o mundo vai seguir o seu exemplo para bem da humanidade sim porque a Graça é um modelo. »

Another english poem by Pessoa

Pelo que não tive disposição de escrever na semana anterior, pois o rio do meu pensamento é como o de Fernando Pessoa e só corre condignamente após uma racionlização do sentimento, transcrevo outro poema escrito em lingua saxónica, que ilustra o que senti nos últimos dias:

«Sorrow came and wept
By my side.
Slow and light she stept
As I walked towards God
By my side.
But I can never find that Great Adobe,
And there is darkness in Descried.»

«A tristeza veio para chorar
A meu lado.
Lenta e leve pôs-se a caminhar,
Enquanto eu ia para Deus,
A meu lado.
Mas nunca consigo achar esse Grande Lar,
E há só escuridão no Divisado.»

PESSOA, Fernando. Poesia inglesa II. Assírio & Alvim. Lisboa. 2000

domingo, 15 de fevereiro de 2009

S. Valentim

«Fiquei louco, fiquei tonto,
Meus beijos foram sem conto,
Apartei-a contra mim,Enlacei-a nos meus braços,
Embriaguei-me de abraços,
Fiquei louco e foi assim.

Dá-me beijos, dá-me tantos
Que enleado em teus encantos,
Preso nos abraços teus,
Eu não sinta a própria alma, ave perdida
No azul-amor dos teus céus.

Boquinha dos meus amores,
Lindinha como as flores,
Minha boneca que tem
Bracinhos para enlaçar-me
E tantos beijos p'ra dar-me
Quantos eu lhes dou também.

Botão de rosa menina,
Carinhosa, pequenina,
Corpinho de tentação,
Vem morar na minha vida,
Dá em ti terna guarida
Ao meu pobre coração.

Não descanso, não projecto,
Nada certo e sempre inquieto
Quando te não vejo, amor,
Por te beijar e não beijo,
Por não me encher o desejo
Mesmo o meu beijo maior.

Ai que tortura, que fogo,
Se estou perto d'ela é logo
Uma névoa em meu olhar,
Uma núvem em minha alma,
Perdida de toda a calma,
E eu sem a poder achar.»

De Fernando Pessoa para Ophélia

Também Fernando Pessoa sentiu as águas quentes e agitadas da paixão...

domingo, 1 de fevereiro de 2009

English Poetry by Pessoa

«Ship sailing out to sea,
If thou canst not take me,
Take at least with thy hope
Of other ports my misery
And what in me doth grope.

Ship sailing far away,
Let me dream thou canst go
Where I at last may
No longer live with woe
Or with grief stay.

Ship sailing out to Death,
Go far, go far
Under the breath
Of the wind, while the star
Of Fate listeneth.

Ship that are not anywhere,
But that I dream,
That is why you art fair.
Sail or sail not... Seem
To sail. That is all. Where?

Ship that I dream and fades
In my dreams distance, go...
There are happier glades
Beyond where I know.
But this is today and woe.»


«Barco que sais para o mar,
Se não me podes levar,
Leva, ao menos, a fé
De outros portos, meu pesar
E o que em mim busca é.

Barco longe a navegar,
Deixa-me sonhar que irás
Onde a dor possa deixar,
P'ra viver por fim em paz
Sem ficar neste penar.

Barco já a navegar
Para a Morte, longe vai,
Partindo sob o soprar
Do vento, enquanto o astro
Do Fado fica a escutar.

Barco que eu sonho lá
No longe dos sonhos ver...
Clareiras mais felizes há
Para além do meu saber.
Mas hoje é este sofrer.»

PESSOA, Fernando. Poesia Inglesa (II), Assírio & Alvim. Lisboa, 2000


Hoje não sofro. Mas bem que me apetecia navegar para o meu Além, ir de férias, deixando o meu Fado durante uns tempos. Deixar este mundo e partir para o meu. Aquele mundo de montes, rios, cearas, velhos ciprestes, animais... É um lugar belo, puro e feliz, que só se alcança navegando no mar dos sonhos. É um lugar que vive no meu ser, onde eu comunico com os meus seres e me faço feliz.
É a minha fuga do sofrimento, do penar. É a fuga da água poluída que nos sufoca dia-a-dia.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Conversa

Reis e eu estamos sentados à beira de um grande lago que reflecte o cinza platinado do céu. Ele está a olhar para o céu, calado, entretido no seu prazer íntimo. Eu olho para o lago, calada, angustiada pelo turbilhão de sensações e pensamentos que me vão ocorrendo. Nisto, indago sonoramente:
- Lembras-te da tua infância?
- Uh?! - disse, acordando do seu sonho - Sim, vagamente.
- Eu lembro-me de que a água foi uma constante durante a minha infância. Brinquei nela, chorei nela, falei com ela. Vivi nela. Era como se pudesse chegar a um mundo meu com e através da água e, nesse mundo, eu era feliz. Eras uma criança feliz?
- Sim, suponho que sim.
- Há algum episódio que te tenha marcado?
- Não. A minha infância foi normal. Sem emoções muito fortes, tirando partido das coisas boas e ignorando as más.
Calo-me por um momento, pois apercebo-me que ele não está muito falador. No entanto, não consigo conter-me. Tenho de continuar:
- O que é que somos?
- Homens. - Responde Reis - Eu sou um homem e tu uma mulher.
- Oh! Não me referia a isso... Quero saber de que somos feitos, de onde viemos, que fazemos cá ... Consideras-te boa pessoa Ricardo?
- Ai... - Suspirou.
«Não quero recordar nem conhecer-me.
Somos demais se olharmos em quem somos.
Ignorar que vivemos
Cumpre bastante a vida.
Tanto quanto vivemos, vive a hora
Em que vivemos, igualmente morta
Quando passa connosco,
Que passamos com ela.
Se sabê-lo não serve de sabê-lo
(Pois sem poder que vale conhecermos?)
Melhor vida é a vida
Que dura sem medir-se.»
- Claro que vale a pena conhecermos... É importante. Dá sentido à vida. Qual é o sentido da tua vida?
- Madalena, fazes demasiadas perguntas. Como diz o Mestre: «O Mundo não se fez para pensarmos nele/ (Pensar é estar doente dos olhos)». Se continuares a pensar dessa maneira ainda acabas como o Pessoa.
Nesse mesmo instante aparece Fernando Pessoa no cimo do monte. Começa a descê-lo, cambaleando ligeiramente. À medida que se vai aproximando a sua face branca e olhos carregados de angústia e insónia ficam mais nítidos.
- Então Pessoa, outra insónia? - Perguntou Reis.
- Outra. - disse melancolicamente - Por acaso não viram o Mestre Caeiro?
- Não, ele está fora. Só volta ao fim do dia. Foi à cidade buscar o Campos. - Informei-o.
- Ah, pois, o Campos. Fugiu outra vez para a cidade? - Perguntou Pessoa.
- Fugiu. Eu já lhe disse que tanta euforia lhe faz mal. - Retorquiu placidamente Reis.
- Senta-te connosco Fernando. - Convidei-o.
Pessoa inclinou-se para a frente e, flectindo as magras pernas, sentou-se na relva verde.
Ficámos os três calados. Reis voltou para o seu céu, eu para o meu lago e Pessoa para ele próprio.
«Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.
O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo.
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.
Trémulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?»
Umas horas mais tarde apareceu Caeiro, sorridente, arrastando pelo braço Campos, que ainda olhava para trás, tentando descobrir alguma réstia de cidade por entre os montes.
- Então, estão todos calados? Não me digam que estavam a pensar? - Interrogou Caeiro.
- Mestre! - Dissemos em coro.
Caeiro e Campos sentam-se ao nosso lado, virados para o lago.
- Mestre, confesso, voltei a perder o sono de tanto pensar. - Lamentou Pessoa.
- Ai Pessoa... Não procures aquilo que está à frente dos teus olhos. O «único sentido oculto das coisas/ É elas não terem sentido oculto nenhum.» Não penses, olha.
- Ó Mestre, mas ao dizer isso o mestre já está...
- Shhhh! - Sussurrou Campos - Não vale a pena tocares nesse assunto, Madalena.
- Querem dizer alguma coisa? - Disparou Caeiro.
- Sim! O mestre dá muita atenção à visão. E os outros sentidos?! Eu não gosto somente da visão! Eu sinto com tudo! Eu oiço! Eu vejo! Eu toco! Eu saboreio o «r-r-r-r-r-r-» dos motores e o «tic-tac» dos relógios! Eu...
- Já percebemos Campos. - Interrompeu Reis - Um dia destes ainda tens um ataque cardíaco.
Calámo-nos. Olhámos todos para o lago. Este, conforme o vento o acaricia, vai ondeando, revelando formas desconhecidas. Estas formas são os verdadeiros 'eus' de cada um e de todos e, desta vez, nem Caeiro se pôde esconder do seu rosto pensante.
Agora, o Mestre, pensa.

sábado, 17 de janeiro de 2009

Ricardo Reis



«Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos)


Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe que os deuses.


Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
(...)»

Ricardo Reis



Correndo e rolando e andando em direcção ao mar... Assim vive a vida. Correndo, rolando, andando e desaguando no mar. Sem paixões, nem desilusões («Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos»), aproveita os prazeres da vida e proteger-se antecipadamente do que de negativo pode adquirir dela. Equilibra, portanto, como um navio em pleno oceano, a visão estoica e epicurista («Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.»)
Tenho forçosamente de realçar um excerto de uma estrofe que faz com que a corrente sentimental do meu espírito ondeie agitadamente. Esta é :


«(...)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, (...)»


Gosto muito deste excerto porque transmite uma mensagem bastante forte e até 'negativa' da vida de uma forma muito musical, muito suave. É muito simples e claro, muito complacente.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Reflexão



«Na noite escreve um seu Cantar de Amigo,
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
É a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.»
( D. Dinis, Primeira Parte - Brasão,Mensagem)


Termino este capítulo do meu trabalho com o poema "D. Dinis", da Mensagem, pois neste encontro algumas semelhanças com a minha pessoa e com as minhas expectativas de trabalho.
"D. Dinis" deixa o meu trabalho em aberto, pois este nunca terá fim. A água está entranhada na nossa vida e sem ela não podemos existir, nem fisicamente nem espiritualmente. É essencial.

Comecei este blog uma noite com uma introdução ao seu tema e uma explanação do simbolismo da água. Procurei n' Os Lusíadas e na Mensagem exemplos diversos que demonstrassem a variedade de sentidos e formas que a água pode adquirir e enriqueci o meu trabalho colocando textos da minha autoria e de outros autores, referentes ao tema, tentando relacioná-los com as obras paralelamente estudadas na disciplina de Português.

Infelizmente não desenvolvi o trabalho tanto quanto gostaria. No entanto, estou decidida a dar continuidade a este blog que é o som presente desse mar futuro, o início do meu futuro neste mundo novo que é a literatura. Sinto que a minha vontade é a voz da terra ansiando pelo mar, a vontade de descobrir a vastidão que é o oceano da literatura que ondula sem se poder ver, sentindo-se e ouvindo-se apenas as suas ondas rebentarem na nossa costa apelando a nossa atenção. A minha, já a conseguiram e espero que com estas pequenas canções de amigo, com este começo de busca do oceano por achar, me torne num
plantador de naus a haver.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Quinta da Regaleira


A água é um elemento purificador. Um simples banho pode fazer a diferença entre o bom e o mau-humor. A água limpa por fora e por dentro. Entra em todos os orifícios, cantos e recantos do nosso ser e arrasta consigo toda a sujidade e imperfeição.

Na Quinta da Regaleira a água purifica a nossa alma. Nesta quinta, o mistério do 'interior', do ser, envolto nos símbolos, mitos e rituais, torna todo o espaço (e seu significado) poético e maravilhoso.
A água, um dos muitos símbolos nela presentes, encontra-se sob várias formas: nos peixes, que simbolizam a fertilidade; no búzio, cujas espirais representam as etapas para a purificação; nos dragões marinhos do Portal dos Guardiães que guardam o mundo interior; na cascata que separa o mundo terreno do Além; nos poços que permitem a morte simbólica, isto é, a pessoa desce ao poço, para o mundo interior- o Inferno- de modo a que se encontre a si própria, vença os seus medos e ultrapasse as suas imperfeições (assim como Vasco da Gama e os marinheiros portugueses superaram os seus durante a viagem para a Índia), voltando à superfície, após passar pela água (por exemplo, a passagem pelo Lago da Cascata) como baptismo, ou seja, como símbolo do seu processo de purificação e renascimento (que n' Os Lusíadas é representado pelo episódio da Ilha dos Amores, onde os navegadores lusos são recompensados com a divinização, visto terem conseguido elevar-se à perfeição humana).


Para Carvalho Monteiro, o homem que idealizou todo o projecto simbólico que é a Regaleira, a água tinha um significado positivo.
Este símbolo acompanha o indivíduo durante o seu caminho interior, indicando-lhe, muitas vezes, a direcção que deve seguir (como nos túneis, onde o viajante deveria guiar-se pelo som da água a cair no lago, visto estar muito escuro para se conseguir orientar pela visão) e também faz a verificação da ascensão ao patamar superior através do 'baptismo', como se fosse a purificação final.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Canto VI

«Nos altíssimos mares, que cresceram,»

«Vendo que se sustém nas ondas tanto.»

«Quase toda alagada; a gente chama»

«As ondas de Neptuno furibundo,»

«No grão dilúvio, donde sós viveram»

Estes são alguns versos do Canto VI, d'Os Lusíadas com alusões à água, nomeadamente a uma tempestade no mar. Nestes versos Camões retrata de forma bela e musical o poder destrutivo da água, conferindo-lhe a sua força, mas sem impressionar demasiado o leitor, isto é, o poeta descreve a tempestade, mostrando quão incontroláveis são as forças da natureza, mas usa figuras de estilo como a perífrase e vocabulário erudito e joga com o ritmo e a rima dos seus versos para atenuar o momento, tornando a tempestade destruidora e magnífica ao mesmo tempo.

sábado, 8 de novembro de 2008

A Alma do Índio



Foi há algumas aulas atrás que a professora de português levou um pequeno, e no entanto, grande livro intitulado A alma do Índio. Leu-nos um excerto desse mesmo livro, como costuma fazer no início das suas aulas, uma carta escrita por Seattle, chefe índio da tribo Dawmish, ao Governador de Washington. É uma carta maravilhosa, de uma sabedoria e sensibilidade extraordinárias. À medida que a professora ia lendo o texto, apoderou-se de mim o impulso de querer possuir aquele livro, para o ler infinitamente, infinitas vezes. E foi isso mesmo que fiz. Comprei-o há uma semana e ontem comecei e acabei de o ler. Foi surreal. Senti cada palavra, cada lamentação, cada suspiro, cada desilusão, toda a esperança e fé contida em cada discurso daqueles chefes índios.
A carta que se enquadra melhor no meu trabalho é a mesma lida pela professora, pois evoca os elementos de forma simbólica. No entanto, publicarei, não apenas as citações relacionadas com a água, mas toda a carta, pois contém uma mensagem muito bela e muito forte. Uma mensagem para reflectir.


«Como se pode comprar ou vender o firmamento, ou ainda o calor da terra?
Tal ideia ainda é um mistério para nós.
Se não somos donos da frescura do ar nem do fulgor das águas, como podereis vós comprá-los?
Cada quinhão desta terra é sagrado para o meu povo.
Cada reluzente floresta de pinheiros, cada grão de areia nas praias, cada gota de orvalho nos escuros bosques, cada outeiro e até o zumbido de cada insecto é sagrado para a memória e para o passado do meu povo. A seiva que corre nas veias das árvores leva juntamente consigo a memória dos Peles Vermelhas.
Os mortos do Homem Branco esquecem-se do seu país natal quando empreendem as suas viagens pelo meio das estrelas; ao contrário, os nossos mortos nunca podem esquecer-se desta bondosa terra pois ela é a mãe dos Peles Vermelhas.
Somos parte da Terra e do mesmo modo ela é parte de nós próprios. As flores perfumadas são nossas irmãs, o veado, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos; as rochas escarpadas, os húmidos prados, o calor do corpo do cavalo e do homem, todos fazemos parte desta grande família.
Por todas estas razões, quando o Grande Chefe de Washington nos faz chegar a mensagem de que quer comprar as nossas terras, está a pedir-nos demasiado. O Grande Chefe diz-nos, também, que nos reservará um lugar em que possamos viver confortavelmente uns com os outros. Ele passará, então, a ser o nosso pai e nós os seus filhos. Por este motivo, ponderaremos a sua oferta de comprar as nossas terras. Isto não será fácil, uma vez que esta terra é sagrada para nós.
A água cristalina que corre nos rios e ribeiros não é apenas água: simboliza também o sangue dos nossos antepassados
Se vos vendermos a terra, devereis recordar-vos que ela é sagrada e, ao mesmo tempo, ensinar aos vossos filhos que ela é sagrada e que cada reflexo nas límpidas águas dos lagos narra os acontecimentos e memórias das vidas das nossas gentes.
O murmúrio da água é a voz do meu pai.
Os rios são nossos irmãos e saciam a nossa sede; são sulcados pelas nossas canoas e alimentam os nossos filhos. Se vos vendermos a terra, devereis recordar-vos e ensinar aos vossos filhos que os rios são nossos irmãos e, do mesmo modo, também são seus irmãos, e que, portanto, devem cuidar deles com a mesma doçura com que se cuida de um irmão.
Sabemos que o Homem Branco não compreende o nosso modo de vida. Ele não saber distinguir um pedaço de terra de outro, porque ele é um forasteiro que chega de noite e retira da terra o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga e, uma vez conquistada, ele prossegue o seu caminho, deixando atrás de si a sepultura de seus pais, sem se importar com isso!
Rouba a terra aos seus filhos: também não se preocupa! Tanto a sepultura dos seus pais como o património dos seus filhos são esquecidos. Trata a sua mãe, a Terra, e o seu irmão,o Firmamento, como objectos que se compram, se exploram e se vendem da mesma forma que se vendem ovelhas ou contas coloridas. O seu apetite devorará a terra deixando atrás de si apenas o deserto.
Não compreendo, mas a nossa maneira de viver é diferente da vossa. Só de observar as vossas cidades entristecem-se os olhos do Pele Vermelha. Mas talvez seja porque o Pele Vermelha é um selvagem e não percebe nada.
Não existe um lugar tranquilo nas cidades do Homem Branco, não há sítio onde escutar como desabrocham as folhas das árvores na Primavera ou como esvoaçam os insectos.
Mas talvez isto também suceda porque sou um selvagem que não compreende nada. Basta o ruído para insultar os nossos ouvidos. Depois de tudo, que interesse tem a vida se o homem não puder escutar o grito solitário do noitibó nem o coaxar nocturno das rãs nas margens dum charco? Sou Pele Vermelha e nada entendo. Nós preferimos o suave sussurrar do vento sobre a superfície dum charco, assim como o cheiro desse mesmo vento purificado pela chuva do meio-dia ou perfumado com o aroma dos pinheiros.
O ar tem um valor inestimável para o Pele Vermelha, uma vez que todos os seres partilham um mesmo fôlego - o animal, a árvore, o homem, todos respiramos o mesmo ar.
O Homem Branco não parece estar consciente do ar que respira; tal como um moribundo que agoniza durante muitos dias é insensível ao mau cheiro.
Mas se vos vendermos as nossas terras, devereis recordar-vos que o ar é, para nós, precioso, que o ar partilha o seu espírito com a vida que mantém. O vento, que deu aos nossos avós o primeiro sopro de vida, também acolhe os seus últimos suspiros. E, se vos vendermos as nossas terras, devereis preservá-las como coisa à parte e sagrada, como um lugar onde até o Homem Branco poderá deleitar-se com o vento perfumado pelas flores das pradarias.
Por tudo isso, consideraremos a vossa oferta de comprar as nossas terras. Se decidirmos aceitá-la, estabelecerei uma condição: o Homem Branco deverá tratar os animais desta terra como seus irmãos.
Sou um selvagem e não compreendo outro modo de vida. Tenho visto milhares de bisontes a apodrecer nas pradarias, mortos a tiro pelo Homem Branco, da janela de um comboio em andamento.
Sou um selvagem e não concebo como é que uma máquina fumegante pode ser mais importante que um bisonte que nós só matamos para sobreviver.
Que seria do homem sem os animais? Se todos fossem exterminados, o homem também morreria de uma grande solidão espiritual. Porque o que suceder aos animais também sucederá ao homem. Tudo está ligado.
Deveis ensinar aos vossos filhos que o solo que pisam é formado pelas cinzas dos nossos avós. Ensinai aos vossos filhos que a terra está enriquecida com as vidas dos nossos semelhantes, para que saibam respeitá-la. Ensinai aos vossos filhos aquilo que nós temos ensinado aos nossos, que a terra é nossa Mãe. Tudo quanto acontecer à terra sucederá aos filhos da terra. Quando os homens cospem na terra, estão a cuspir em si próprios.
De uma coisa estamos certos: a terra não pertence ao homem; é o homem que pertence à terra. isto sabemos. Tudo está ligado, como o sangue que une uma família. Tudo está ligado. Tudo o que acontece à terra acontecerá aos filhos da terra. O homem não teceu a rede da vida, ele é só um dos seus fios.
Aquilo que ele fizer à rede da vida, ele fará a si próprio.
Nem mesmo o Homem Branco, cujo Deus passeia e fala como ele de amigo para amigo, fica livre do destino comum.



POR FIM TALVEZ SEJAMOS IRMÃOS.




Veremos isso. Sabemos uma coisa que talvez o Homem Branco descubra um dia: o nosso Deus é o mesmo Deus. vós podeis pensar nesta altura que Ele vos pertence, do mesmo modo como desejais que as nossas terras vos pertençam; porém não é assim. Ele é Deus dos homens e a Sua compaixão reparte-se por igual entre o Pele Vermelha e o Homem Branco. Esta terra tem um valor inestimável para Ele, e, se a destruirmos, isso provocará a ira do Criador. Também os Brancos se extinguirão um dia, talvez antes que as demais tribos. Contaminai os vossos leitos e uma noite morrereis afogados nos vossos próprios detritos.
Contudo, vós caminhareis para a vossa destruição repletos e glória, inspirados pela força do Deus que vos guiou a esta terra e que, por algum desígnio superior, vos deu domínio sobre ela e sobre os Peles Vermelhas. Esse destino é um mistério para nós, pois não percebemos porque se exterminam os bisontes, se domam os cavalos selvagens, se saturam os mais escondidos recantos dos bosques com a respiração de tantos homens e se mancha a paisagem das exuberantes colinas com fios de telégrafo. Onde se encontra o matagal? Destruído! Onde está a águia? Desapareceu!




TERMINA A VIDA E COMEÇA A SOBREVIVÊNCIA! »






quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Mensagem - Mar português

«Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar! »

«Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu. »

Este poema da Mensagem comemora o mar e, logo, a água. É uma "comemoração depreciativa", isto é, este poema aborda o quão perigoso é o mar: «Deus ao mar o perigo e o abismo deu,» e das tristezas que este causa: «Ó mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal!». O poder destrutivo da água está aqui implicito, quer físico, nos naufrágios, quer nas suas consequências, a destruição das almas, a desolação das mães, dos filhos e das noivas. Ainda assim, o poeta afirma que vale a pena passar esta prova, cruzar os mares, pois quem o faz ultrapassa obstáculos físicos (o Cabo Bojador) e psicológicos (a dor).

Canto III - Episódio de Inês de Castro

«Nem com lágrimas tristes se mitiga »



«Com lágrimas, os olhos piedosos »



«Onde em lágrimas viva eternamente »



«As espadas banhando e as brancas flores*,
Que ela dos olhos seus regadas tinha
(tinha as maçãs do rosto molhadas com lágrimas)




«As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,

Que lágrimas são água e o nome Amores.»





Este episódio está repleto de alusões à água sobre a forma de lágrimas. Logicamente, encontramos aqui o carácter sensível da água, ou seja, esta é utilizada para dramatizar a cena e emocionar o receptor. No entanto, no final do episódio, a água assume a sua faceta de regeneração e purificação, em : «E, por memória eterna, em fonte pura/As lágrimas choradas transformaram.» e «Vede que fresca fonte rega as flores,».
Desta forma, Camões leva-nos a sentir compaixão por Inês, o oposto daquilo que o povo português sentiu no momento.
Penso que neste episódio há uma leve crítica quanto à conduta do povo lusitano, de como este influenciou negativamente o rei, pressionando-o a condenar D. Inês à morte. Mostra que a força de um país reside não só no rei, mas no povo unido. Por outro lado, e de forma mais evidente, este episódio exalta o amor de Pedro e Inês, que se tornou num símbolo da nossa história.
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*maçãs do rosto

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Canto I

«Por mares nunca dantes navegados»

«E vós, Tágides minhas, pois criado»

«Foi de mi vosso rio alegremente,»

«Por que de vossas águas Febo ordene»

«Almeidas, por quem sempre o Tejo chora

« De África as terras e do Oriente os
mares.»

«Que são vistos de vós no mar irado;»

«Já no largo Oceano navegavam,
As inquetas ondas apartando;»

«Da branca escuma os mares se mostravam»

«As marítimas águas consegradas,»

«De quantos bebem a água de Parnaso;»

«De água do esquecimento, se lá chegam»

«Quando o mar descobrindo lhe mostrava»

«Da âncora o mar ferido, em cima salta.»

«De todos os que as ondas navegamos,»

«Pelas argênteas ondas neptuninas»

«Por lhe defender a água desejada,»

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