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quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Parvoíce seguida de reflexão

Há uma imensidão de assuntos sobre os quais posso escrever e,talvez por esse motivo, não me consigo focar em nenhum. Desde as injecções de arte ao prémio Nobel do Mr. Obama, passando pela crítica política, são tantos os temas e tanto o que sobre eles há para escrever que sinto uma tensão de forças que correm aleatórias na minha cabeça e não me deixam pensar num só. Ora isso é uma chatice! diz o Tico para o Teco, sem resolverem absolutamente nada. Pois é, estão os dois, o meu Tico e o meu Teco encostados à sombra do meu cabelo a apreciar trocistas o belo caos idiota que deveriam controlar. E agora riem-se! Que engraçadinhos... Acham piada, não é? Ora e se eu decidir mandar-vos passear ao gabinete do Sócrates para verem se ele está a trabalhar e entretanto contratar dois neurónios de intelecto superior?, pausa, Ah! Bem me parecia.
Caros leitores, após este breve aparte, anuncio que estou pronta para começar.
Estando a tirar o curso de História da Arte devo informar-vos que me tornarei cada vez menos objectiva, deliciando-me a enfadar-vos com aqueles pequenos pormenores, aqueles grãozinhos de areia que se instalam entre as pedras que formam os grandes monumentos e que tanto contribuem para a ocupação das gavetinhas celulares do meu cérebro. Tal e qual como os meus professores da faculdade. Quero com isto dizer que são pessoas com um nível de cultura elevado e que, para eles, analisar e contextualizar uma obra é o mesmo que estar recostado num cadeirão a ouvir música e a bebericar vinho tinto. Embebedam-se naquele mundo distante que recriam com os seus vocábulos e vão para muito longe do seu estado sóbrio, objectivo.
Isto tudo para voz dizer que o meu professor de História da Arte da Antiguidade Clássica e Tardia em Portugal recusa-se a dizer que os espanhóis são espanhóis. «Eles são castelhanos» informou-nos ele na última aula, «porque nós somos todos espanhóis.» Tanto os galegos como os portugueses, como os próprios castelhanos, somos todos espanhóis! Isto porque originalmente fomos um povo denominado hispânico e por essa razão somos hispânicos, logo, espanhóis. Mais! O mestre Carriço ainda nos informou de que a nossa península seria hispânica se tal não nos ferisse o ego. Sendo nós, portugueses, tão pequeninos e insignificantezinhos comparados com um Luxemburgo, por exemplo, não poderíamos permitir que nos confundissem com os castelhanos, logo nós que definimos as nossas fronteiras tão cedo e que só por uma vez perdemos a independência, por um acaso do destino, para os reis do território logo ao lado do nosso. Nós não podemos fazer parte d'uma península hispânica! Desta forma, fazemos parte da Península Ibérica, embora tenha sido o povo celta o que ocupou a maior parte do nosso território, quando os seus contemporâneos iberos ocupavam a Espanha.
Então, não somos hispânicos para não nos confundirem com os castelhanos, mas somos iberos, ainda que estes tenham ocupado o território castelhano todo. Conclusão interessante.
De qualquer forma seremos sempre um apêndice inflamado de Espanha, sendo isso visível através do magnífico exemplo americano, cuja população acha que Portugal é uma província de Espanha. Por isso, meus caros patriotas, não vos preocupeis com tais mesquinhices e vede o que se passa nesta crosta com pus que é Portugal e talvez para a próxima votareis com consciência.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Desabafo de quem se está a redescobrir

Quando estamos habituados a fazer tudo acompanhados, ou melhor, quando nos habituamos a não fazer as coisas sem aquela pessoa que esteve presente durante parte da nossa vida, durante muito ou pouco tempo, e nos tornamos dependentes dela, não nos apercebemos do que estamos a perder.
É no período de transição que me encontro agora, o de redescobrir a independência e o acordar do espírito livre que vive em mim.
Sair à rua e fazermos coisas sozinhos, quando nos vemos desamparados emocionalmente, torna-se uma aventura, se o virmos através de um panorama positivo, pois caso contrário torna-se antes um tormento. Para mim, tornou-se uma odisseia interior e exterior bastante entusiasmante. Notamos e valorizamos o que de mais ordinário acontece e tornamos essas experiências vulgares em pequenos tesouros privados que nos fazem sorrir, como quando um condutor se mete connosco, as pessoas que nos abordam na rua para pedir informações, para pedir esmola utilizando métodos bastante originais que valorizam o dinheiro que damos, aqueles que nos tomam por estrangeiros, ou ainda os que apenas querem alguém com paciência para os ouvir... E não é só! Passamos a olhar com mais atenção para o que nos rodeia, apreciamos as ruas e os edifícios, o céu, as árvores, o rio, enfim, tudo aquilo que a vista alcança.
É um mundo inteiro que se abre e do qual não queremos sair. Por isso, quando me telefonam ou enviam sms que perturbam a minha paz e aventura interior torno-me bastante hostil. Pessoas que por vezes não nos ligam e passado muito tempo vêm ter connosco para relembrar o passado, outras que pensam ter ganho a nossa amizade profunda após um mês ou mesmo algumas semanas depois de nos terem conhecido, ou pensam ter conhecido... A isto, só digo: "Haja paciência!" . E a paciência não é bem o meu forte, pelo menos no que toca a estas coisas ou a certas pessoas. Não gosto de me sentir sufocada, nem pressionada, nunca fui de dar satisfações, nem de andar a rodear as pessoas. Também não gosto de cultivar sentimentos e relações que não são recíprocos e mais tarde virem tentar reavivar aquilo que já ultrapassei. Se há alguma coisa que queira, com jeito vou atrás dela e se por acaso me aperceber que me é de todo impossível conseguir no momento não encontro em mim resistência nenhuma em desistir ou adiar a 'luta'. Há momentos indicados para tudo e para falar comigo também. Há boas e más alturas e se eu respeito as más alturas dos outros gostava que respeitassem as minhas.
Neste momento estou a gozar a minha solidão. Solidão esta que tem sido bastante feliz, na medida em que me sinto livre, desprendida do dever de estar presente para alguém e de dar satisfações a esse alguém.
Por isso, vou tratando da minha vida sozinha, vou onde preciso ir sem companhia e de cada vez que o faço apercebo-me de que eu e o que está à minha volta, nomeadamente o que é novo e desconhecido, tem o potencial de me preencher e de me trazer momentos de felicidade. Como querem que abdique desses momentos para ir para casa, para os problemas da família, para levar com preocupações mal fundamentadas, para atender telefonemas que não me trarão nada de novo, para invadirem o meu espaço com histórias que, ou não têm interesse, ou não fazem bem ao espírito, como conversas tristes ou discussões e constatações de uma realidade infeliz, sem sonhos positivos para o futuro. A minha resposta é não, não abdico dos meus passeios por Lisboa, nem dos meus momentos sós, desligada de tudo o que me rodeia, a não ser o que não comunica por palavras. A única coisa que me fará comunicar é a perspectiva de sorrir, rir ou maravilhar-me com o entendimento e a companhia que o silêncio e um simples olhar podem criar quando estamos na presença de pessoas de quem gostamos e que gostam de nós, aquelas que conhecemos e que nos conhecem verdadeiramente.
(Um texto dedicado a Renato Rocha, que sempre me incentiva a escrever sobre tudo e nada)

segunda-feira, 25 de maio de 2009

'Vocabularizando'

Eu, que ando junto ao chão como um pequeno saramago, fui abençoada com um demónio, o meu narrador, que me faz companhia nas horas mais solitárias, discutindo comigo os mais variados temas, assim como também me ajuda a decidir que caminho devo seguir. Com ele divirto-me, viajando pelo tempo vertical, não cronológico, o tempo simultâneo em que passado, presente e futuro não o são, sendo apenas tempo, acontecendo todos ao mesmo tempo no espaço da minha alma.
Para que tal fenómeno metafísico pudesse acontecer em mim, tive de ser persignada pelo Universo e pela relatividade e, com um abrenunso divino, etéreo, 'Fiat lux!' e um demónio surgiu dessa luz para me ensinar e acompanhar.
Agora passeio-me pelo tempo e pelo espaço, criando sonhos e vontades que me ajudem a construir o meu pequeno memorial, para que este se possa reunir em convento com os restantes memoriais da história, independentemente do seu tamanho físico ou grandeza contextual.
Pelo caminho construirei a minha passarola e elevar-me-ei ao último patamar de mim mesma. No entanto, há que não esquecer os dominicanos, cães de Deus, que se escondem por trás das máscaras e só no Carnaval podemos ter um vislumbre daquilo que realmente são, acuadores de almas pequenas, como a minha, que não ambiciona nenhum convento, somente uma passarola que voe para mim, que me encontre e que me acorde, pois eu passei demasiado tempo adormecida num mundo em que eslavos passaram a escravos.

domingo, 17 de maio de 2009

E chora Blimunda

Eu, Blimunda, choro-vos pois as vossas vontades desapareceram. As vontades do campo e do mar voaram com o vento dos sonhos para um outro mundo, mais próximo de Deus. Assim, as almas das pessoas comuns deambulam vazias pelos campos e mares, fitando o céu com os dois espelhos baços que já nem chorar podem, pois para chorar é necessário sentir e uma alma vazia não sente, porque sem sonho não há vontade e sem vontade a alma fica amorfa, repercutindo-se exteriormente sob a forma de apatia mental e emocional. Por isso choro-vos porque chorar não podeis vós, sinto por vós e rogo a Deus por vós, mas a voz Dele chega trémula aos meus ouvidos. Também ele chora com o que vê, um mundo escasso de nuvens fechadas, sim, porque ainda há vontades, são as vontades dos homens de poder, que têm dinheiro e protegem-se mutuamente na injustiça e, portanto, através da injustiça controlam as almas daqueles que, perdendo a fé na terra e no céu não têm onde se agarrar e seguem os que vivem na sua própria peça de teatro, no seu cenário em talha, cortinados de tecidos ricos e pesados, ouro, jóias, festas, procissões, carros, obras, novos projectos, discursos sobre como tudo está maravilhoso. Toda esta ilusão cria nas almas das pessoas humildes um sonho falso, não da própria pessoa, mas sim impingido à pessoa que vive desamparada no desespero de uma vida de sofrimento e luta e que assim se deixa levar, arrastada nessa ilusão de passarola que esconde o mundo raquítico, que cabe num convento, o mundo em que vivemos.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Cai a chuva, escorrem ideias

A chuva cai algumas vezes durante a obra Memorial do convento e quando cai, cai 'cá fora' também- As palavras escorrem horizontais pelas páginas do livro e aleatoriamente escorrem as gotas da chuva, escritas na horizontal na página do livro, pela minha imaginação fora e dentro, porque é no meu cérebro, nomeadamente no hemisfério direito, que se cria o mundo do imaginário, das imagens dadas pelas palavras escritas na horizontal das páginas do meu livro, que são traduzidas singular e pluralmente, numa euforia de sentimentos, emoções e visões, pelo tal hemisfério direito, que sem o esquerdo viveria na minha cabeça atrofiado e desarmonizado (por não ter com o que se harmonizar) e em constante inquietação e devaneio, porque viver apenas através da vontade e imaginação não é saudável, há que ter o freio da razão, pelo teco do hemisfério esquerdo, para manter o tico do direito preso pelo fio que o impede de voar para longe, tão longe que se perderia no infinito do universo do fantástico e das possibilidades improváveis, enfim, as chuvas do livro continuam a cair aleatoriamente, agora a escorrer pela minha face, sim, porque a imaginação é assim, as letras do livro começam por se transformar em gotas de chuva e esborratam a página, depois a luz do nosso candeeiro apaga-se e sentimos o frio da água a bater na nossa pele e quando damos por isso já estamos molhados ao lado de Blimunda e Baltasar, que seguem o seu caminho para a morada da passarola, arrastando os pés na lama, cansados mas satisfeitos por se terem um ao outro, a companhia silenciosa de duas almas que se completam na sua humildade. No fim, quando o cansaço e o sono nos invadem, o quadro vivo formado na nossa mente projectado à frente dos nossos olhos e que nos envolve densamente, mais densa quanto mais apaixonante o livro, começa a desvanecer-se, a luz do candeeiro reaparece atrás de nós e já estamos secos e quentes, recostados no almofadão fofo, olhamos para as páginas e os borrões desapareceram, voltaram à forma original, à de linha torneada em letra. Após verificar que a realidade (se é que é realidade e não mais um sonho de um outro eu ou de outrem que fez de nós personagem principal e uma vida inteira, os 100 anos do sonhado serão só e apenas as oito horas do sonhador e quando o sonhador acordar será a nossa morte), continuando, ao verificar que tudo está como deve estar fechamos o livro, passamos a mão pela capa, pousamo-lo na mesa da secretária e vamos dormir também.

O mundo aos olhos de Deus


Acho que já está pronto para colocar a última peça, pensa Saramago olhando para baixo, para D.João V, vá põem lá, a última pedrinha de madeira é ali, não, não é aí tosco, ali, isso, agora fica a brincar com esses bonequinhos de madeira, tens aí o Papa e os cardeais reizinho. Bom, agora vamos a Mafra descansar de D. João V, hoje dei-lhe uma insónia para ver o que faria para tentar dormir, mas ele decidiu ir acabar a maqueta, às vezes cansa ajudá-lo nestas brincadeiras, vamos lá ver como se porta quando lhe encomendar um monumento a sério, um monumento com pedras de pedra, grandes e pesadas, um edifício bem maior que a sua pequena magnificência. Ora aqui temos Mafra, Saramago pega no pequeno telhado à escala 1:100 de uma casa modesta e puxa-o, a dormir no chão da cozinha, sobre um cobertor de lã grossa, ainda bem que ainda há ovelhas em Portugal que forneçam esse bem que tanto aquece no Inverno e que no Verão, se não aquece, pelo menos serve de aconchego aos ossos, para que estes não batam directamente no soalho, enfim, sobre esse cobertor dormem Baltasar e Blimunda, Onde é que eu guardei a lanterna, o dia não pode começar uma hora mais tarde, e Blimunda tem de comer o seu pão, aqui está, Saramago liga a lanterna sobre a linha do horizonte, Blimunda está a acordar, os seus dedos procuram já o pão que tem de comer antes de olhar para Baltasar, come Blimunda, come que Baltasar está quase a acordar, segundo o meu caderno tem acordado às cinco e meia. Saramago fica a apreciar aquela rotina matinal que tanto o delicia, até que os dois se separam, Baltasar sai com o pai e Blimunda fica com a mulher que a abraçou como filha e fazem os seus afazeres diários, os de homem e os de mulher.

Saramago dá um ligeiro toque no globo e vai para a Holanda, chama pelo padre Bartolomeu Lourenço que prontamente lhe responde, Estou aqui meu Deus, E a tua pesquisa, De novo na estaca zero, Pois, não te aconselhei eu a passeares pelas ruas em vez de te meteres nas universidades, esse tipo de conhecimento é demasiado precioso para ser divulgado assim, sob pena de ser censurado ou desejado para fins menos correctos, E o meu fim é correcto Senhor, O teu não suspeita mal, queres voar, queres ver o mundo da minha perspectiva, é perfeitamente razoável, mas aproveita para passear e falar com as pessoas, talvez tropeces no éter sem querer, E não mo podia dar logo, tenho mesmo de o procurar, Que pergunta a tua Bartolomeu, se eu te desse tudo de mão beijada não aprendias nada, Tem razão Senhor, diz Bartolomeu a Saramago e vendo que este se afasta interpela-o, Não me acompanha no meu passeio, Não posso, quer dizer, posso e não posso, sou omnipresente, mas neste momento estou a documentar o que se passa neste mundo a pessoas que como tu não têm capacidade de entender a vida e o tempo como algo simultâneo por isso tenho de ir, Entendo, embora esse conceito seja de facto difícil de conceber, Vocês são limitados, existem coisas que não compreendem na sua totalidade pois o corpo enquanto massa orgânica, biológica e portanto, densa, não permite vivenciar tudo aquilo que o universo e eu, vosso criador vos tenho para oferecer, Certo Senhor, então adeus, Adeus Bartolomeu, e não te esqueças que estas nossas conversas não são para ser divulgadas ao povo, ainda não estão preparados para voar, Bartolomeu segue o seu caminho com um ligeiro sorriso nos lábios e Saramago continua a viajar os dedos pelo seu globo, brincando com as suas marionetas vivas, as suas personagens humanas, ora deixando que elas vivam por si ora criando obstáculos que condicionam as opções de vida das mesmas.
Saramago como Deus do mundo do Memorial do Convento, entretendo-se com a sua maqueta gigante.

quinta-feira, 26 de março de 2009

O fluir do pensamento


Se as gotas de água fossem letras e se juntas formassem palavras, frases e parágrafos, seríamos todos poetas.
Beber dessa água seria como beber inspiração, criatividade e sabedoria pois, como não há duas gotas iguais, beberíamos sempre letras diferentes que juntas comporiam palavras sempre ricas e originais.
Se hoje a criatividade não tem fim, com uma água assim, letrada, seria um constante auge e uma constante reinvenção da escrita e da língua em si. Não existiriam aulas, mas sim tertúlias. Todos partilhariam as experiências e os conhecimentos únicos adquiridos através da água e seria uma partilha constante e gigantesca. Isto, claro, se não existissem egoístas e avarentos no mundo que quisessem tudo só para si. Provavelmente, os que não eram egoístas e avarentos torna-se-iam neles, sentido-se injustiçados por partilharem e não terem nada em troca. Imaginemos que nesse mundo em que a água é palavra, não existem tais pessoas. São todos inocentes, puros, gratos e altruístas. Os momentos de tertúlia entre essas pessoas seriam de compreensão interior e inconsciente, pois uma língua sem regras nem limites não pode ser entendida apenas pelo consciente, que, por vício, compartimenta e organiza as coisas do mundo. Aquilo que vive no interior é do inconsciente, porque é livre e fluido e, portanto, uma língua inconstante, efémera e ondulante só pode viver nesse local selvagem e virgem e ser compreendida de forma mais espiritual.
Pergunto-me se não será desse mundo, com essa água, que vêm alguns escritores, como Fernando Pessoa. A sua escrita é profunda, mesmo quando a intenção é ser leve e fresca, as palavras ganham vida própria, personalidade e novos sentidos e os versos são fluidos e ondulantes, cheiram a maresia e sabem a mar... Ao mar da poesia. Faço várias referências a este mar e a Fernando Pessoa. Isto porque quando leio Pessoa, vejo-me a mim, um ser um tanto plural e em constante euforia interior, que não a transparece fisicamente para o exterior, recorrendo, para a exprimir, a meios artísticos, nomeadamente à escrita e, no que toca ao mar da poesia, evoco-o porque quero alcançá-lo, não com a pretensão de se outro Pessoa, porque não possuo o seu génio, mas sim porque quero trazer alguma poesia comigo, para a deixar correr nos textos que escrevo.
Beber da poesia e mergulhar na prosa, partilhar o que aprendi e aprender com os outros e, assim, exceder-me a mim própria. É o que eu pretendo. E se para isso tenho de viajar para o mundo de onde os escritores (com E grande) vêm e tiver de beber da água letrada, tanto melhor!

domingo, 15 de março de 2009

Uma ideia, outra ideia... Devaneios

Sei que o prazo para a entrega do trabalho já passou, mas não escrevo para ser avaliada. Hoje escrevo porque escrever confere-me liberdade, alivia-me dos pesos que decidi carregar e ajuda-me a raciocinar.

Eu escrevo em qualquer lado, a qualquer instante do dia e todos os dias. Posso não transpor o que escrevo para o papel, mas ainda assim escrevo. Tudo o que penso, todas as coisas que imagino passam por uma reflexão do meu consciente (que é bastante inconsciente) e aparecem na minha mente em forma de contos. Eu não vejo o texto na minha cabeça, vejo imagens. No entanto, existe um narrador que acompanha essas imagens e conta as suas histórias.

É um processo engraçado, o de viver através de uma história narrada por um narrador interior, de voz serena e quente e ilustrada por imagens luminosas. É como se dentro de mim vivesse uma outra pessoa encarregada de me ensinar as coisas da vida através de histórias.

O meu narrador é como um rio: sempre fresco e de pulsação irregular, vai contando histórias de forma mais elaborada, à medida que segue o seu curso e evolui no seu presente, nunca parando nem revivendo o passado, a não ser que eu o peça. Sim, porque à medida que o rio da voz que conta a história da minha vida vai passando, retiro dele os contos que quero e levo-os para o lago da minha memória, para que o narrador possa contar mais tarde. Mas esses episódios nunca são contados da mesma forma. Ao original é adicionada a nostalgia e o 'fingimento poético', pelo que resultam várias versões do mesmo conto, cada uma mais dispersa, mais madura e mais elaborada da versão anterior.

Assim como Fernando Pessoa tem os seus heterónimos , sendo que um desses heterónimos é mestre, Alberto Caeiro, que o inspira, o mesmo se passa comigo e com este narrador. Ele escreve bem melhor que eu, é mais eloquente, mais poético, mais musical, mais tudo. Quando escrevo, normalmente o narrador apodera-se do teclado ou da caneta e ajuda-me a produzir texto e a progredir e quando isso não acontece, a diferença entre textos com e sem ele é enorme.

Acho que todos nós temos outro eu dentro de nós, que pode ser mais ou menos perceptível, na medida em que é mais parecido com a própria pessoa ou não (como Bernardo Soares que quase se confunde com Fernando Pessoa), mas também pela forma como intervém no nosso dia-a-dia.
É interessante conhecer esse indivíduo que está sempre presente, sendo a nossa melhor companhia na nossa eterna solidão, e que, por não ter corpo, por ser apenas espírito e ideia, acaba por ser 'omnipotente', possuindo uma sabedoria que pertence ao nosso inconsciente e que se vai revelando através do que chamamos intuição e 'visões'. Penso que, no fundo, é daí que vem da genialidade, da conversação entre o nosso eu consciente material e o nosso eu transcendente (in)consciente que nos ajuda a evoluir e amadurecer espiritual e ideologicamente. As pessoas que desenvolvem mais essa conversação, aquelas que sonham acordadas e vivem o mundo exterior através de uma perspectiva interior, intimíssima e única (e certamente fascinante), são aquelas cujo génio é genuíno e cuja obra é aparentemente difícil de compreender, mas que é apenas complexa. São exemplos de genialidade Fernando Pessoa, que através das suas múltiplas dimensões do eu, chegou, não só à sua própria unidade, mas também à da humanidade, apresentando também uma mentalidade bastante vanguardista sobre o mundo material, o seu mundo pessoal e o mundo espiritual e Albert Einstein que nos revelou a Teoria da Relatividade, que explica que espaço e tempo são relativos, que o intervalo de tempo e o comprimento não são absolutos (e pouco mais posso dizer a respeito, pois não tenho conhecimentos suficientes para a explicar bem). Exploraram-se ao máximo: sonharam, pensaram, viveram e transcenderam a mentalidade da sua época.


"Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento."
- Autobiografia sem Factos. (Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p. 93)


"A superioridade do sonhador consiste em que sonhar é muito mais prático que viver, e em que o sonhador extrai da vida um prazer muito mais vasto e muito mais variado do que o homem de acção. Em melhores e mais directas palavras, o sonhador é que é o homem de acção. "
-Autobiografia sem Facto. (Assírio & Alvim, Lisboa, 2006, p. 110)


"A Ciência sem a Religião é coxa, a Religião sem a Ciência é cega."
- Fonte: Einstein, Albert, Ideas and Opinions, Crown Publishers, Inc., New York, 1954


"Não existe nenhum caminho lógico para a descoberta das leis elementares do universo – o único caminho é o da intuição."
- Fonte: O Pensamento Vivo de Einstein

Consultado em: www.wikiquote.com

A vida, o pensamento e a escrita são como rios, correntes de água que vão escavando a terra (o mundo) deixando a sua marca. Se as pessoas viverem, pensarem e se expressarem intensamente e com profundidade, deixarão uma marca maior e mais rica. A capacidade criadora e a sabedoria não têm limites e são acessíveis a quem estiver aberto às mesmas.
Todos podemos alcançar o génio.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Sonho, Baixa, Pessoa e Eu




Um dia a preto e branco, como uma fotografia antiga. Local: Lisboa. Estava a passear pelo Terreiro do Paço, a fitar o estuário do Tejo cinzento e calmo. Olhei para trás e vi o arco do triunfo que dá para a Rua Augusta. Senti um calor avermelhado no peito ao contemplar tal grandiosidade e beleza: uma fileira de arcadas aconchegavam-me e dirigiam o meu olhar para o grande arco. Andei na sua direcção como se estivesse hipnotizada, ficando mais pequena à medida que a sua imponência de pedra me engolia. Foi então que eu vi. Vi-o a sair do café de cabeça baixa, olhos presos no chão. Caminhava rápido e lançava pequenos olhares para trás, como se estivesse a fugir da sua própria sombra. Pus-me no seu caminho e, quando me alcançou, parou.

-Bom dia Madalena! - disse, sobressaltado com a minha presença inesperada.

- Bom dia! Estavas a fugir de quem?

O homem sorriu ligeiramente. Nunca foi muito expansivo em público.

- De mim, suponho. E dos outros também.

-Posso fugir contigo até ao fundo da rua?

-Claro.

Começámos então a nossa escapadela pela Rua Augusta. Começou a chover. À medida que a chuva caía e cantava na calçada, as pessoas corriam para os cafés para se abrigarem. Mas eu e Fernando Pessoa continuámos a passear no meio da rua.


- Gosto de andar à chuva. Principalmente quando chove assim, 'a potes'. - disse, olhando para ele- Fernando, estás tão cabisbaixo hoje... Passou-se alguma coisa?

- É a Ofelinha.... - disse baixinho, olhando para o chão.

- Ah... - intervim, ficando esclarecida. Calei-me.

Estávamos a andar, ambos calados. Pessoa tinha a sua máscara posta. Estava pesaroso, era notório, mas a sua mente é tão complexa e misteriosa que cria uma camada de água turva que nos impede de ver o fundo.
Inclinei-me até conseguir olhar para o rosto dele e sorri-lhe.

- Olha para o céu. Sente a chuva e não penses por um momento.

Não me respondeu, mas olhou para cima, para as nuvens chorosas.

- Como te sentes?

- Mais leve. Estava tão absorvido em mim que não reparei na chuvada que está a cair.

Fomos assim ao longo da rua, postura direita, sorriso leve, calados, a apreciar a rua deserta e a ouvir a melodia da chuva.
No entanto, de uma das transversais, cortou um guarda-chuva preto o horizonte chuvoso. O ponto preto começou a dirigir-se na nossa direcção. Já não era só um ponto preto, ou um guarda-chuva. Era um homem. Era Ricardo Reis!

- Então, estão os dois à chuva? Metam-se debaixo do chapéu. Se ficarem à chuva apanham uma pneumonia.

- Obrigado Ricardo, mas eu e a Madalena preferimos ficar a apanhar chuva. Não quer experimentar?

- Não, muito obrigado. Não é das coisas que me dê mais prazer. Além disso, não quero ficar doente. Acho que vão precisar de mim saudável mais tarde para tratar de vocês. Até logo.

- Até logo Ricardo. - despedi-me.

- Se calhar o Ricardo tem razão. É melhor irmo-nos abrigar.

- Disparates! Já reparaste que está tudo cinzento? Até nós estamos cinzentos.

- Sim, pois estamos. Mas o que é que isso quer dizer?

- Bom, nós não somos cinzentos. O meu cabelo é castanho, assim como o teu, os meus olhos são esverdeados e os teus castanhos, a nossa pele é 'salmão', e por aí a diante.

- Então o que é que se passa? Porque é que estamos cinzentos?

- Deve ser um sonho. Não sei se é teu, se meu, se de um desconhecido.

- Ah, sim! E se estamos num sonho, não podemos ficar doentes, por isso, podemos andar à chuva o tempo que quisermos.

-Melhor! Podemos fazer o que bem entendermos porque as pessoas que vemos não são reais, logo não temos de nos preocupar com as aparências. E sabes o que me apetece agora? - Fiz uma ligeira pausa - Quero dançar!

- Dançar?! Agora?

- Sim, agora. Acompanhas-me?

- Não sei, Madalena.... Os sonhos são tão irreais... Não me parece palusível. Devemos ser prudentes.

- Estamos num sonho! Podes ser tu mesmo! Podes desmascarar-te. Não tens de ter medo... Então, vens? - perguntei-lhe, estendendo-lhe a mão.

Pessoa agarrou a minha mão e conduziu-me numa dança sem regras, num estilo que só os dois entendíamos e ao som de uma melodia tão pura e única como é a da chuva caindo na calçada.

Dançámos.
Dançámos, dançámos, dançámos
E dançámos pela Baixa fora.
Dançámos todos os miradouros,
Todas as ruas,
Todos os cafés,
Todas as praças,
Todos os teatros,
Todos os cantos e recantos desta trama viva.
A Baixa.

E as pessoas não viam,
Só passavam, corriam, conversavam, riam.
Mas não viam
E não dançavam
Nem sentiam a chuva
Eram meras sombras de si próprias presas num sonho.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Poesia

O meu cabelo são fios d'agua
Que ondulam leves nos meus ombros
E escorrem pelas minhas costas
Refrescando o meu corpo.

Penteando tais cabelos,
Fluem sonhos,
De azul esverdeado pintados,
E pingam, evaporando, lágrimas tristes
Quais temporais amainados.

Deitada sob o lago turvo
Como vidro difuso
(Que é o espelho que me separa do mundo)
Afogo-me e bebo do meu cabelo
Sonhos, sonhos e sonhos.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Conversa

Reis e eu estamos sentados à beira de um grande lago que reflecte o cinza platinado do céu. Ele está a olhar para o céu, calado, entretido no seu prazer íntimo. Eu olho para o lago, calada, angustiada pelo turbilhão de sensações e pensamentos que me vão ocorrendo. Nisto, indago sonoramente:
- Lembras-te da tua infância?
- Uh?! - disse, acordando do seu sonho - Sim, vagamente.
- Eu lembro-me de que a água foi uma constante durante a minha infância. Brinquei nela, chorei nela, falei com ela. Vivi nela. Era como se pudesse chegar a um mundo meu com e através da água e, nesse mundo, eu era feliz. Eras uma criança feliz?
- Sim, suponho que sim.
- Há algum episódio que te tenha marcado?
- Não. A minha infância foi normal. Sem emoções muito fortes, tirando partido das coisas boas e ignorando as más.
Calo-me por um momento, pois apercebo-me que ele não está muito falador. No entanto, não consigo conter-me. Tenho de continuar:
- O que é que somos?
- Homens. - Responde Reis - Eu sou um homem e tu uma mulher.
- Oh! Não me referia a isso... Quero saber de que somos feitos, de onde viemos, que fazemos cá ... Consideras-te boa pessoa Ricardo?
- Ai... - Suspirou.
«Não quero recordar nem conhecer-me.
Somos demais se olharmos em quem somos.
Ignorar que vivemos
Cumpre bastante a vida.
Tanto quanto vivemos, vive a hora
Em que vivemos, igualmente morta
Quando passa connosco,
Que passamos com ela.
Se sabê-lo não serve de sabê-lo
(Pois sem poder que vale conhecermos?)
Melhor vida é a vida
Que dura sem medir-se.»
- Claro que vale a pena conhecermos... É importante. Dá sentido à vida. Qual é o sentido da tua vida?
- Madalena, fazes demasiadas perguntas. Como diz o Mestre: «O Mundo não se fez para pensarmos nele/ (Pensar é estar doente dos olhos)». Se continuares a pensar dessa maneira ainda acabas como o Pessoa.
Nesse mesmo instante aparece Fernando Pessoa no cimo do monte. Começa a descê-lo, cambaleando ligeiramente. À medida que se vai aproximando a sua face branca e olhos carregados de angústia e insónia ficam mais nítidos.
- Então Pessoa, outra insónia? - Perguntou Reis.
- Outra. - disse melancolicamente - Por acaso não viram o Mestre Caeiro?
- Não, ele está fora. Só volta ao fim do dia. Foi à cidade buscar o Campos. - Informei-o.
- Ah, pois, o Campos. Fugiu outra vez para a cidade? - Perguntou Pessoa.
- Fugiu. Eu já lhe disse que tanta euforia lhe faz mal. - Retorquiu placidamente Reis.
- Senta-te connosco Fernando. - Convidei-o.
Pessoa inclinou-se para a frente e, flectindo as magras pernas, sentou-se na relva verde.
Ficámos os três calados. Reis voltou para o seu céu, eu para o meu lago e Pessoa para ele próprio.
«Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.
O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo.
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.
Trémulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?»
Umas horas mais tarde apareceu Caeiro, sorridente, arrastando pelo braço Campos, que ainda olhava para trás, tentando descobrir alguma réstia de cidade por entre os montes.
- Então, estão todos calados? Não me digam que estavam a pensar? - Interrogou Caeiro.
- Mestre! - Dissemos em coro.
Caeiro e Campos sentam-se ao nosso lado, virados para o lago.
- Mestre, confesso, voltei a perder o sono de tanto pensar. - Lamentou Pessoa.
- Ai Pessoa... Não procures aquilo que está à frente dos teus olhos. O «único sentido oculto das coisas/ É elas não terem sentido oculto nenhum.» Não penses, olha.
- Ó Mestre, mas ao dizer isso o mestre já está...
- Shhhh! - Sussurrou Campos - Não vale a pena tocares nesse assunto, Madalena.
- Querem dizer alguma coisa? - Disparou Caeiro.
- Sim! O mestre dá muita atenção à visão. E os outros sentidos?! Eu não gosto somente da visão! Eu sinto com tudo! Eu oiço! Eu vejo! Eu toco! Eu saboreio o «r-r-r-r-r-r-» dos motores e o «tic-tac» dos relógios! Eu...
- Já percebemos Campos. - Interrompeu Reis - Um dia destes ainda tens um ataque cardíaco.
Calámo-nos. Olhámos todos para o lago. Este, conforme o vento o acaricia, vai ondeando, revelando formas desconhecidas. Estas formas são os verdadeiros 'eus' de cada um e de todos e, desta vez, nem Caeiro se pôde esconder do seu rosto pensante.
Agora, o Mestre, pensa.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Rios

O dia estava feio. O céu estava triste e chorava para o mar agitado.
Eu estava dentro do comboio, rumo a Lisboa. A minha carruagem estava cheia com uma diversidade enorme de pessoas.
Ia eu sentada no meu cantinho, com a cara esborrachada contra o vidro, fitando aquela paisagem agreste ao mesmo tempo que ia ouvindo as pessoas que me rodeavam e, juntando água e pessoas, comecei a pensar que tipo de rio seria cada pessoa daquela carruagem.
Eram muitas pessoas, por isso, transmutei a ideia. Se as diferentes partes de Fernando Pessoa fossem rios, que características teriam?
Alberto Caeiro, homem com ares do campo, inocente, simples e contraditório. O seu rio seria calmo, fresco, mas profundo, pois o seu espírito é apenas aparentemente transparente.
Ricardo Reis, o epicurista estóico, amante da mitologia greco-romana. O rio que o representa seria sereno, transparente, vagaroso e percorreria apenas os locais mais belos para seu prazer.
Álvaro de Campos, o homem da máquina, do progresso. As suas águas seriam rápidas, um pouco turvas até certo ponto do seu caminho porque, depois, passariam a ser vagarosas, olhando sempre em direcção à sua nascente, à nostalgia da sua infância, cansadas das correrias marcadas pelos locais por onde passou.
Por último, Fernando Pessoa ortónimo, o ser atormentado pelo pensamento e pergunta, o existencialista. O rio de Pessoa fluiria, não para o mar, mas deste para a nascente, para as suas origens. Teria um ritmo incerto, águas angustiadas e agitadas.
Todas estas águas, tão diferentes umas das outras, compõem o oceano imenso que é Fernando Pessoa. Um oceano genial, sábio e riquíssimo. Um oceno único.
Fernando Pessoa.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O meu Pessoa




É profunda a minha desolação.
A evolução negativa e galopante deste mundo é deprimente. Já senti raiva, já denunciei e agora choro.
O meu corpo é lágrima seca que pesa na minha alma. Esta, tal como a arte, tem espírito livre e, como a água, flui e contorna obstáculos até encontrar um obstáculo longo de mais para conseguir desviar-se. Então bate-lhe, fica maior e empurra-o, mas o obstáculo é grande demais e esta tem de esperar até ter tamanho suficiente para chegar ao topo do muro e libertar uma gota. Essa gota irá fecundar o terreno e torná-lo belo.
Por que é a sociedade um muro tão alto? Quanto tempo ainda terei de esperar?

Quanto mais tempo espero, menos de mim vou tendo.
Os seres do meu ser não se conseguirão desenvolver, pois, neste momento, a minha alma pesa e o pensar dói.
O meu Caeiro, espírito menino, chora porque já não há flores coloridas nem pedrinhas engraçadas. O meu Reis chora porque é obrigado a rasgar a terra como o Douro barrento e Zeus foi destronado pelo ego do Homem. Sou o Campos cansado da máquina do mundo e o Pessoa preso na sua dor e pergunta, querendo aquele outrora.



Aquele outrora. Aquela ilha! Aquele tudo em nós.




quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Primeira interpretação do espírito aparentemente inocente de Alberto Caeiro


Ping! Naquele dia pachorrento sentei-me em frente da janela fria. Através dela via o céu cor fumo que chora desalmadamente. As suas lágrimas eram gordas e cristalinas e batiam pesadas contra o meu vidro frio, fazendo um poc austero para marcar presença. Depois desfaziam-se em rios que rasgavam caminhos vagarosos e engraçados ao longo da janela fria. Ai...! E a pasmaceira daquele dia era tal que o tempo, que já passava devagar, resolveu parar durante um segundo transformado em hora. E nesse segundo transformado em hora contei todas as gotas que estavam prestes a estatelarem-se no chão alcatroado que se via da janela fria. Eram duas mil setecentas e quarenta e três gotas! Também vi que forma estranha assumem essas mesmas gotas quando tocam no chão, ou no vidro da janela fria. Olhei para o céu e pude analisar os diferentes tons de cinzento daquelas nuvens chorosas e até os reproduzi com lápis de cor e pastel de óleo! Reparei como o ar quente que sai da nossa boca deixa o vidro frio embaciado e como dá para fazer desenhos! E com o dedo desenhei os caminhos impressos pelas gotas na janela fria e explorei todas as bifurcações e junções dos mesmos! Bom, no auge das minhas brincadeiras infantis, PING! Acabou tudo.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

....


Não sai nada. Tento escrever um pouco sobre Fernando Pessoa, ou qualquer outra coisa, mas não consigo. Neste exacto momento, encontro-me sentada à frente do portátil a tentar escrever alguma coisa para publicar no blog. Já fiz e refiz textos, escrevi palavras, frases, parágrafos que não têm nexo, nem interesse e muitas vezes pouco ou nada se relacionam com a água.


Pareço um rio seco. Aliás, um rio não! Um vale outrora escavado por rio e que agora, completamente ressequido, anseia desesperadamente que este volte a passar e o refresque, fecundando toda a área com uma vida nova.


Mal posso esperar que a água fresca e pura da inspiração penetre nos sulcos ávidos por imaginação do meu vale....

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Desafio: A Alma do Índio




Sou pequena e grande. Sou tudo e nada. Sou o que quiser ser e não o que querem que eu seja. Hoje quero ser água. Quero ser água cristalina, aquela que refresca com um mero olhar, aquela que num só golo sacia a sede, aquela que é mais leve que todas as outras águas, quer sejam do charco, de rios e ribeiros, da chuva, nevoeiro ou até mesmo da gota de orvalho! Aquela água que é mais límpida que as límpidas águas dos lagos e que tem o fulgor das águas marítimas, cuja maresia seduz toda a humanidade.
O murmúrio da minha água lembrará que todos os oceanos, mares e rios são nossos irmãos assim como toda a natureza que nos circunda e ressuscitará todos os que morreram afogados pelo mundo. O reflexo da minha água mostrará o que cada um foi e o que fomos, o que cada um é e o que somos, o que cada um e todos nós poderemos fazer para SER. Este SER é o que nos move. Não é corpo, é energia. Esta energia leva consigo o passado, o presente e o futuro. É o que nos permite viajar em nós próprios, o que nos permite transformar e sentir o que não é fisicamente realizável. Tal como eu hoje sou água devido à minha energia, amanhã posso transformá-la em ar, em terra, em estrela, em nada. Para o fazer basta-me sentir o AMOR do universo, basta amar e ser amada. A partir daí, deixo-me sair do meu corpo para ser só energia e como energia posso ser o que quiser.
Hoje sou água.

domingo, 9 de novembro de 2008

Inconsciente

Estava deitada na minha cama, com a cabeça afundada na minha 'almofada das insónias', a ler um livro, quando oiço as gotas da chuva cair no parapeito da minha janela. Afundei-me mais na almofada e aconcheguei-me nos cobertores. Continuei a ler. No entanto, aquela música líquida captava-me a atenção e introduzia-se na minha mente.
Uma gota bateu com força no parapeito. Mergulhei nela com as restantes gotas da chuva, juntei-as todas e o "ping-ping" deu lugar a um fio contínuo de aguá que corria para o nada. Outra gota, uma imagem em tons de cinzento. A Madalena numa praia deserta, rochosa. O céu estava claro, mas nublado, a areia era branca e contrastava com o negro das rochas, o mar, cujos braços longos beijavam os pés frios da rapariga, rebentava preguiçosamente, criando uma música suave. Madalena cantava baixinho para o mar, pedindo-lhe autorização para entrar nele. Suavemente, este replicou que sim. Madalena avançou então lentamente, murmurando a sua melodia. Já tinha água pela cintura quando parou. Ficou imóvel, de olhos fechados, deixando-se envolver pelo abraço das ondas frias, que aqueciam e lavavam o seu espírito. A sua voz foi ficando mais clara e a sua melodia mais pura. Cantava agora, não para o mar, mas o mar. E nisto, transformou-se em espuma e eu adormeci.

domingo, 26 de outubro de 2008

Na passada quarta-feira, dia 22 de Outubro, fui a uma visita de estudo onde a água esteve constantemente presente. A visita, ou melhor, as visitas decorreram na Baixa de Lisboa.
Apanhei o metro em Telheiras, ainda com um rasto de sono a pesar-me nas pálpebras. Não entraram muitas pessoas comigo no comboio, de modo que durante o trajecto até à estação seguinte fui sendo embalada com os abanões da carruagem, enquanto que o choro do metal que esta fazia ia ficando longe, longe, cada vez mais longe. Devo ter dormitado durante uns segundos, mas rapidamente acordei, mal as portas do metro abriram no Campo Grande e uma enchente de pessoas entrou aos tropeções e empurrões, ávidas por um lugar sentado. Num segundo, os três bancos livres junto ao meu estavam tomados. Foi então que resolvi entrar na minha bolha e ouvir a minha música. Quando liguei o mp3 estava a tocar uma música (que eu uso para fazer reiki ou yoga e relaxar) que começa com o enrolar suave das ondas, continuando com o que parece ser o som de gotas a cair sob um lago. Esta música tem a duração de 60min., por isso durou a viagem toda.Quando dei por mim, estava fora do comboio a dirigir-me para a saída da estação. Como só me consigo orientar à superfície subi as primeiras escadas que vi. Que diferença! Os meus olhos semi-cerraram-se com a luz brilhante do sol e o meu corpo encolheu-se com o frio. Olhei ao meu redor e percebi que estava na Praça da Figueira. «Agora por onde é que vou para chegar ao Terreiro do Paço? Pensa... O rio! Procura o rio.» E foi isso que eu fiz, pus-me em meias-pontas e procurei as águas do Tejo. E lá estavam elas entre dois prédios. «É por ali.» Atravessei a praça da Figueira e comecei a descer a rua.
Uma das coisas que eu mais gosto é de andar sozinha na rua. Assim, posso fazer as figuras tontas que tiver de fazer para chegar ao meu destino sem ninguém se sentir embaraçado e pelo caminho descubro coisas novas.
Desta vez resolvi andar aos zigue-zagues até encontrar a Rua Augusta e passei por tantas lojas, por tantos cheiros. Uma das ruas cheirava a detergente contrastado com o cheiro do lixo; outra, por ter tanta afluência, cheirava a pessoas; outra a castanhas quentinhas.
Finalmente, cheguei ao Terreiro do Paço. Vi alguns dos meus colegas ao longe e juntei-me a eles. O resto da turma e professores começaram a chegar e eu mal pude apreciar o reflexo dourado do sol nas águas azul-prateadas do rio. Reunimo-nos e fomos todos para a entrada do Pátio da Galé, onde entrámos para comprar os bilhetes para a exposição sobre o terramoto de 1755 e a reconstrução da Baixa de Lisboa.
A primeira sala focava o contexto histórico do incidente, mostrando pinturas e gravuras do antigo Terreiro do Paço, um local amplo junto ao rio, onde se juntavam as pessoas para estabelecer relações quer sociais, quer comerciais. Também mostrava gravuras sobre engenharia e geometria que se praticava na época pelos engenheiros militares. Na sala seguinte vimos alguns exemplos de outras cidades também reconstruídas e as semelhanças e diferenças que têm com o caso de Lisboa. Um pouco à frente estava a maqueta da cidade de Lisboa pré-terramoto. Nesta vimos como a cidade, já naquela altura, era grande e como as casas formavam ruas que pareciam pequenas ramificações de um rio que iam desaguar ao Terreiro do Paço, de cara para o Tejo.
De seguida, passámos para a destruição da cidade: primeiro o terramoto, que deu origem a um maremoto e, por fim, o incêndio. Pelas paredes havia diversas gravuras: umas da onda gigantesca a cair sobre a cidade, os barcos no rio balançando a ritmo incerto, outras do incêndio a consumir os edifícios e ainda outras com as ruínas, com mortos pelo chão, todos amontoados.
Os espaços seguintes mostram já os planos de construção, as ideologias, os requisitos obrigatórios para a planificação da Baixa, as grandes figuras (D. José I, Marquês de Pombal, Eugénio dos Santos, Manuel da Maia, Carlos Mardel), a 'caixa negra', que simboliza os dois anos de negociações a portas fechadas, ou seja, todo o caminho percorrido até a Baixa Pombalina estar concluída.
As últimas salas correspondiam à Baixa nos tempos mais recentes e à última remodelação que esta sofreu, após o incêndio nos Armazéns do Chiado que foram reconstruídos pelo Siza Vieira em 2004.
Concluindo, a exposição estava muito interessante e bem concebida, com muitas gravuras, pinturas, textos de apoio e citações elucidativas, sendo bastante interactiva.
E acabado este capítulo fomos todos a caminho do almoço. apanhámos o eléctrico até Belém, pois a nossa próxima visita de estudo era no Padrão dos Descobrimentos, almoçámos rapidamente e percorremos os jardins do Jerónimos, repletos de pequenos lagos artificiais e fontes até chegarmos ao Padrão, mesmo junto ao rio. Mais uma vez reunimo-nos, comprámos os bilhetes e entrámos para ver um filme sobre a cidade de Lisboa, que está intimamente ligada ao rio e ao mar, por causa da sua posição geográfica, por ser o centro de Portugal e, outrora, do mundo e por causa dos Descobrimentos. Neste filme também foi referida a Expo98, realizada na zona Oriental de Lisboa, que fez um tributo à água, e ainda hoje é visível esse mesmo tributo nos jardins, no parque da água, no centro comercial Vasco da Gama, na pala do Pavilhão de Portugal, o Lago das Tágides, entre outros.
Acabado o filme chega a hora das despedidas e para a acabar em beleza, mais um fenómeno aquático : chuva! Pingou durante uns instantes e o sol desapareceu, o vento estava mais forte e frio e as águas do Tejo, em consonância com este tempo mais duro, mostraram-se num cinzento metalizado.