quarta-feira, 13 de maio de 2009

O mundo aos olhos de Deus


Acho que já está pronto para colocar a última peça, pensa Saramago olhando para baixo, para D.João V, vá põem lá, a última pedrinha de madeira é ali, não, não é aí tosco, ali, isso, agora fica a brincar com esses bonequinhos de madeira, tens aí o Papa e os cardeais reizinho. Bom, agora vamos a Mafra descansar de D. João V, hoje dei-lhe uma insónia para ver o que faria para tentar dormir, mas ele decidiu ir acabar a maqueta, às vezes cansa ajudá-lo nestas brincadeiras, vamos lá ver como se porta quando lhe encomendar um monumento a sério, um monumento com pedras de pedra, grandes e pesadas, um edifício bem maior que a sua pequena magnificência. Ora aqui temos Mafra, Saramago pega no pequeno telhado à escala 1:100 de uma casa modesta e puxa-o, a dormir no chão da cozinha, sobre um cobertor de lã grossa, ainda bem que ainda há ovelhas em Portugal que forneçam esse bem que tanto aquece no Inverno e que no Verão, se não aquece, pelo menos serve de aconchego aos ossos, para que estes não batam directamente no soalho, enfim, sobre esse cobertor dormem Baltasar e Blimunda, Onde é que eu guardei a lanterna, o dia não pode começar uma hora mais tarde, e Blimunda tem de comer o seu pão, aqui está, Saramago liga a lanterna sobre a linha do horizonte, Blimunda está a acordar, os seus dedos procuram já o pão que tem de comer antes de olhar para Baltasar, come Blimunda, come que Baltasar está quase a acordar, segundo o meu caderno tem acordado às cinco e meia. Saramago fica a apreciar aquela rotina matinal que tanto o delicia, até que os dois se separam, Baltasar sai com o pai e Blimunda fica com a mulher que a abraçou como filha e fazem os seus afazeres diários, os de homem e os de mulher.

Saramago dá um ligeiro toque no globo e vai para a Holanda, chama pelo padre Bartolomeu Lourenço que prontamente lhe responde, Estou aqui meu Deus, E a tua pesquisa, De novo na estaca zero, Pois, não te aconselhei eu a passeares pelas ruas em vez de te meteres nas universidades, esse tipo de conhecimento é demasiado precioso para ser divulgado assim, sob pena de ser censurado ou desejado para fins menos correctos, E o meu fim é correcto Senhor, O teu não suspeita mal, queres voar, queres ver o mundo da minha perspectiva, é perfeitamente razoável, mas aproveita para passear e falar com as pessoas, talvez tropeces no éter sem querer, E não mo podia dar logo, tenho mesmo de o procurar, Que pergunta a tua Bartolomeu, se eu te desse tudo de mão beijada não aprendias nada, Tem razão Senhor, diz Bartolomeu a Saramago e vendo que este se afasta interpela-o, Não me acompanha no meu passeio, Não posso, quer dizer, posso e não posso, sou omnipresente, mas neste momento estou a documentar o que se passa neste mundo a pessoas que como tu não têm capacidade de entender a vida e o tempo como algo simultâneo por isso tenho de ir, Entendo, embora esse conceito seja de facto difícil de conceber, Vocês são limitados, existem coisas que não compreendem na sua totalidade pois o corpo enquanto massa orgânica, biológica e portanto, densa, não permite vivenciar tudo aquilo que o universo e eu, vosso criador vos tenho para oferecer, Certo Senhor, então adeus, Adeus Bartolomeu, e não te esqueças que estas nossas conversas não são para ser divulgadas ao povo, ainda não estão preparados para voar, Bartolomeu segue o seu caminho com um ligeiro sorriso nos lábios e Saramago continua a viajar os dedos pelo seu globo, brincando com as suas marionetas vivas, as suas personagens humanas, ora deixando que elas vivam por si ora criando obstáculos que condicionam as opções de vida das mesmas.
Saramago como Deus do mundo do Memorial do Convento, entretendo-se com a sua maqueta gigante.

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