sexta-feira, 29 de maio de 2009

Paixões




Um formigueiro, arrepios repetitivos que despertam a pele e eriçam os pêlos, contraem o estômago e apertam o coração. Se fechar os olhos consigo ouvir e sentir o ritmo compassado do meu coração que bate em uníssono com outro compasso, mais complexo que o meu. Se os meus olhos ficarem molhados de sal, não se impressionem, é apenas a emoção, o sentir de algo inesperadamente agradável e nostálgico que está tão próximo de mim, pois consigo sentir e ouvir esse compasso, mas ao mesmo tempo é inalcançável na medida em que não lhe posso tocar. Este momento de união de almas é tão íntimo, tão profundo que só pode ser interrompido se um dos ritmos parar, o meu ou o outro e, no entanto, mesmo quando interrompido o som da memória deixa um rasto de perenidade e, querendo ou não, aquele compasso que me deixou ou que eu deixei no exterior, continua a sussurrar no meu interior e os meus bivalves castanhos esverdeados lágrimas vertem de saudade, num desejo passivo de voltar a ouvir o timbre do meu violoncelo, sentir o instrumento encaixado nas minhas pernas, onde parecia pertencer originalmente, arrepiar-me com a vibração suave do arco de crina nas cordas metálicas, fazendo eu com o arco e ele com as cordas uma dança tocada, movimentos de valsa, mais longos, nas melodias em adagio, tango nas mais fortes e jive nas melodias em allegro e depois, quando a dança acaba e o violoncelo é arrumado e posto a um canto, fica a vontade de voltar a tocar. E isto sinto e penso quando oiço música. Talvez um dia.

2 comentários:

Anónimo disse...

Madalena: Não poderia pedir-te melhor. Da erudição à crítica, à reflexão, os conteúdos das aulas transformados, pensados, elevados, recriados, O Memorial e a vida, numa escrita fluida, correcta e criativa. Estás mesmo de parabéns!

Renato disse...

Só espero que este blog não fique por aqui abandonado e a ganhar pó... Mais, mais!

=)