terça-feira, 28 de abril de 2009

Passado e Presente


Estava nossa majestade o rei D. João V no seu gabinete sumptuoso, rasgado por dois janelões ladeados por cortinas tão longas que as suas franjas douradas descansavam no chão de mármore, repleto de estantes com livros nunca abertos e um globo terrestre no centro da sala, globo este que tem duas cruzes vermelhas, uma grande sobre o Brasil e outra mais pequena sobre o continente africano, marcando desta forma os locais de onde provêm as riquezas que abastecem o reino. Bom, estava D. João V dormitando e babando no seu cadeirão de veludo vermelho, em frente à secretária de pau-brasil, totalmente adornada, quando entra pela porta o ministro real das finanças, Vossa Senhoria, diz o ministro real das finanças, Huh, ah, diga ministro, diz el-rei limpando o fio de baba que lhe escapava pelo canto da boca, Bom, trago-lhe as últimas contas do reino vossa excelência, Diga lá como vão os meus bens, Pois, majestade, não estão muito bem. As receitas do reino estão a cair e, se me permite, aconselhava-o a investir no país, disse o ministro, Hmm, entendo. Prossiga, ordenou o rei, Eu penso, vossa majestade, que vossa excelência deveria investir na agricultura e nas últimas inovações industriais, aconselhou o ministro, Ah, pois claro meu caro ministro, sei exactamente o que fazer. Vamos construir um mosteiro em Mafra, Para quem, vossa senhoria, Para os frades franciscanos, Para quê, Para eles lá viverem. A rainha engravidou, tal como eles disseram e eu fiz uma promessa, Vossa excelência, e a agricultura, A agricultura... Ah, já sei, vamos construir um aqueduto em Lisboa, agora vá falar com os restantes ministros. O ministro retirou-se e el-rei foi para a sua mesa favorita, a que tem assente a sua maqueta da Basílica de S. Pedro.


Estava o primeiro ministro José Sócrates com o seu nariz sentado na secretária do seu gabinete, olhando para o monitor do seu magalhães, quando entra o ministro das finanças, Então Zé, estás bom, Estou bem Teixeira, que queres, Olha pá, trago-te os novos números, Estou a ouvir, Então, há 450000 desempregados e há mais duas empresas em risco de falência, a agricultura está cada vez pior, assim como as indústrias, Eu tenho a solução, meu caro Teixeira, Então Zé, Vamos construir um aeroporto na Ota, Oh Zé, mas estamos em crise, É verdade, já me tinha esquecido, então vamos construir um TGV. Agora vai falar com o Lino que eu ainda tenho muitas coisas para fazer. Teixeira sai da sala e José Sócrates volta a concentrar-se no ecrã do seu magalhães. Está a jogar solitário, já só falta colocar os reis nos naipes certos. Acabou, finalmente, Ena, acabei... Porreiro pá.

2 comentários:

Bruna disse...

Uma palavra para definir este texto...surpreendente. Para além da escrita "saramaguina", a comparação e projecção de um passado no presente actual está extremamente bem feita!
Vais a caminho da boa nota a português... Porreiro Pá!

Ana Monteiro disse...

Aconselharam-me, li e adorei! Sem dúvida surpreendente!
Mas por este e muitos outros exemplos...
Saramago e a sua escrita intemporal!

(Prefiro não comentar a parte política da coisa! Sabe-se porquê! hihihi)