sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

«He that would conquer must a soldier be.
He that a soldier will be must be made
To bear all the hard preface of his trade,
All the rough training must he bear
Whereby he shall the conqueror (...)»


«Quem quer conquistar deve ser soldado.
Quem quer ser soldado deve-se equipar
Para o começo da missão suportar,
Todo o duro treino ele deve sofrer
Com que possa conquistador [vir a ser].»

PESSOA, Fernando. Poesia Inglesa (II), Assírio & Alvim, Lisboa

Fernando Pessoa, o soldado da poesia. O soldado do mar da poesia.
A Poesia...Um mar vasto, fértil, misterioso, de ondulação incerta. No entanto, é necessária muita coragem e prespicácia para nos aventurarmos e conquistarmos este mar, de modo a tornarmo-nos génios da poesia.
Pessoa aventurou-se. Tornou-se um soldado desse mar. Desfez-se para percorrer toda a sua vastidão, para se tornar inteiro. Para ser poesia. Conseguiu-o.

Vénia a Fernando Pessoa!

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Poesia

O meu cabelo são fios d'agua
Que ondulam leves nos meus ombros
E escorrem pelas minhas costas
Refrescando o meu corpo.

Penteando tais cabelos,
Fluem sonhos,
De azul esverdeado pintados,
E pingam, evaporando, lágrimas tristes
Quais temporais amainados.

Deitada sob o lago turvo
Como vidro difuso
(Que é o espelho que me separa do mundo)
Afogo-me e bebo do meu cabelo
Sonhos, sonhos e sonhos.

English Poetry by Pessoa

«Ship sailing out to sea,
If thou canst not take me,
Take at least with thy hope
Of other ports my misery
And what in me doth grope.

Ship sailing far away,
Let me dream thou canst go
Where I at last may
No longer live with woe
Or with grief stay.

Ship sailing out to Death,
Go far, go far
Under the breath
Of the wind, while the star
Of Fate listeneth.

Ship that are not anywhere,
But that I dream,
That is why you art fair.
Sail or sail not... Seem
To sail. That is all. Where?

Ship that I dream and fades
In my dreams distance, go...
There are happier glades
Beyond where I know.
But this is today and woe.»


«Barco que sais para o mar,
Se não me podes levar,
Leva, ao menos, a fé
De outros portos, meu pesar
E o que em mim busca é.

Barco longe a navegar,
Deixa-me sonhar que irás
Onde a dor possa deixar,
P'ra viver por fim em paz
Sem ficar neste penar.

Barco já a navegar
Para a Morte, longe vai,
Partindo sob o soprar
Do vento, enquanto o astro
Do Fado fica a escutar.

Barco que eu sonho lá
No longe dos sonhos ver...
Clareiras mais felizes há
Para além do meu saber.
Mas hoje é este sofrer.»

PESSOA, Fernando. Poesia Inglesa (II), Assírio & Alvim. Lisboa, 2000


Hoje não sofro. Mas bem que me apetecia navegar para o meu Além, ir de férias, deixando o meu Fado durante uns tempos. Deixar este mundo e partir para o meu. Aquele mundo de montes, rios, cearas, velhos ciprestes, animais... É um lugar belo, puro e feliz, que só se alcança navegando no mar dos sonhos. É um lugar que vive no meu ser, onde eu comunico com os meus seres e me faço feliz.
É a minha fuga do sofrimento, do penar. É a fuga da água poluída que nos sufoca dia-a-dia.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Conversa

Reis e eu estamos sentados à beira de um grande lago que reflecte o cinza platinado do céu. Ele está a olhar para o céu, calado, entretido no seu prazer íntimo. Eu olho para o lago, calada, angustiada pelo turbilhão de sensações e pensamentos que me vão ocorrendo. Nisto, indago sonoramente:
- Lembras-te da tua infância?
- Uh?! - disse, acordando do seu sonho - Sim, vagamente.
- Eu lembro-me de que a água foi uma constante durante a minha infância. Brinquei nela, chorei nela, falei com ela. Vivi nela. Era como se pudesse chegar a um mundo meu com e através da água e, nesse mundo, eu era feliz. Eras uma criança feliz?
- Sim, suponho que sim.
- Há algum episódio que te tenha marcado?
- Não. A minha infância foi normal. Sem emoções muito fortes, tirando partido das coisas boas e ignorando as más.
Calo-me por um momento, pois apercebo-me que ele não está muito falador. No entanto, não consigo conter-me. Tenho de continuar:
- O que é que somos?
- Homens. - Responde Reis - Eu sou um homem e tu uma mulher.
- Oh! Não me referia a isso... Quero saber de que somos feitos, de onde viemos, que fazemos cá ... Consideras-te boa pessoa Ricardo?
- Ai... - Suspirou.
«Não quero recordar nem conhecer-me.
Somos demais se olharmos em quem somos.
Ignorar que vivemos
Cumpre bastante a vida.
Tanto quanto vivemos, vive a hora
Em que vivemos, igualmente morta
Quando passa connosco,
Que passamos com ela.
Se sabê-lo não serve de sabê-lo
(Pois sem poder que vale conhecermos?)
Melhor vida é a vida
Que dura sem medir-se.»
- Claro que vale a pena conhecermos... É importante. Dá sentido à vida. Qual é o sentido da tua vida?
- Madalena, fazes demasiadas perguntas. Como diz o Mestre: «O Mundo não se fez para pensarmos nele/ (Pensar é estar doente dos olhos)». Se continuares a pensar dessa maneira ainda acabas como o Pessoa.
Nesse mesmo instante aparece Fernando Pessoa no cimo do monte. Começa a descê-lo, cambaleando ligeiramente. À medida que se vai aproximando a sua face branca e olhos carregados de angústia e insónia ficam mais nítidos.
- Então Pessoa, outra insónia? - Perguntou Reis.
- Outra. - disse melancolicamente - Por acaso não viram o Mestre Caeiro?
- Não, ele está fora. Só volta ao fim do dia. Foi à cidade buscar o Campos. - Informei-o.
- Ah, pois, o Campos. Fugiu outra vez para a cidade? - Perguntou Pessoa.
- Fugiu. Eu já lhe disse que tanta euforia lhe faz mal. - Retorquiu placidamente Reis.
- Senta-te connosco Fernando. - Convidei-o.
Pessoa inclinou-se para a frente e, flectindo as magras pernas, sentou-se na relva verde.
Ficámos os três calados. Reis voltou para o seu céu, eu para o meu lago e Pessoa para ele próprio.
«Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.
O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo.
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.
Trémulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?»
Umas horas mais tarde apareceu Caeiro, sorridente, arrastando pelo braço Campos, que ainda olhava para trás, tentando descobrir alguma réstia de cidade por entre os montes.
- Então, estão todos calados? Não me digam que estavam a pensar? - Interrogou Caeiro.
- Mestre! - Dissemos em coro.
Caeiro e Campos sentam-se ao nosso lado, virados para o lago.
- Mestre, confesso, voltei a perder o sono de tanto pensar. - Lamentou Pessoa.
- Ai Pessoa... Não procures aquilo que está à frente dos teus olhos. O «único sentido oculto das coisas/ É elas não terem sentido oculto nenhum.» Não penses, olha.
- Ó Mestre, mas ao dizer isso o mestre já está...
- Shhhh! - Sussurrou Campos - Não vale a pena tocares nesse assunto, Madalena.
- Querem dizer alguma coisa? - Disparou Caeiro.
- Sim! O mestre dá muita atenção à visão. E os outros sentidos?! Eu não gosto somente da visão! Eu sinto com tudo! Eu oiço! Eu vejo! Eu toco! Eu saboreio o «r-r-r-r-r-r-» dos motores e o «tic-tac» dos relógios! Eu...
- Já percebemos Campos. - Interrompeu Reis - Um dia destes ainda tens um ataque cardíaco.
Calámo-nos. Olhámos todos para o lago. Este, conforme o vento o acaricia, vai ondeando, revelando formas desconhecidas. Estas formas são os verdadeiros 'eus' de cada um e de todos e, desta vez, nem Caeiro se pôde esconder do seu rosto pensante.
Agora, o Mestre, pensa.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Rios

O dia estava feio. O céu estava triste e chorava para o mar agitado.
Eu estava dentro do comboio, rumo a Lisboa. A minha carruagem estava cheia com uma diversidade enorme de pessoas.
Ia eu sentada no meu cantinho, com a cara esborrachada contra o vidro, fitando aquela paisagem agreste ao mesmo tempo que ia ouvindo as pessoas que me rodeavam e, juntando água e pessoas, comecei a pensar que tipo de rio seria cada pessoa daquela carruagem.
Eram muitas pessoas, por isso, transmutei a ideia. Se as diferentes partes de Fernando Pessoa fossem rios, que características teriam?
Alberto Caeiro, homem com ares do campo, inocente, simples e contraditório. O seu rio seria calmo, fresco, mas profundo, pois o seu espírito é apenas aparentemente transparente.
Ricardo Reis, o epicurista estóico, amante da mitologia greco-romana. O rio que o representa seria sereno, transparente, vagaroso e percorreria apenas os locais mais belos para seu prazer.
Álvaro de Campos, o homem da máquina, do progresso. As suas águas seriam rápidas, um pouco turvas até certo ponto do seu caminho porque, depois, passariam a ser vagarosas, olhando sempre em direcção à sua nascente, à nostalgia da sua infância, cansadas das correrias marcadas pelos locais por onde passou.
Por último, Fernando Pessoa ortónimo, o ser atormentado pelo pensamento e pergunta, o existencialista. O rio de Pessoa fluiria, não para o mar, mas deste para a nascente, para as suas origens. Teria um ritmo incerto, águas angustiadas e agitadas.
Todas estas águas, tão diferentes umas das outras, compõem o oceano imenso que é Fernando Pessoa. Um oceano genial, sábio e riquíssimo. Um oceno único.
Fernando Pessoa.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O meu Pessoa




É profunda a minha desolação.
A evolução negativa e galopante deste mundo é deprimente. Já senti raiva, já denunciei e agora choro.
O meu corpo é lágrima seca que pesa na minha alma. Esta, tal como a arte, tem espírito livre e, como a água, flui e contorna obstáculos até encontrar um obstáculo longo de mais para conseguir desviar-se. Então bate-lhe, fica maior e empurra-o, mas o obstáculo é grande demais e esta tem de esperar até ter tamanho suficiente para chegar ao topo do muro e libertar uma gota. Essa gota irá fecundar o terreno e torná-lo belo.
Por que é a sociedade um muro tão alto? Quanto tempo ainda terei de esperar?

Quanto mais tempo espero, menos de mim vou tendo.
Os seres do meu ser não se conseguirão desenvolver, pois, neste momento, a minha alma pesa e o pensar dói.
O meu Caeiro, espírito menino, chora porque já não há flores coloridas nem pedrinhas engraçadas. O meu Reis chora porque é obrigado a rasgar a terra como o Douro barrento e Zeus foi destronado pelo ego do Homem. Sou o Campos cansado da máquina do mundo e o Pessoa preso na sua dor e pergunta, querendo aquele outrora.



Aquele outrora. Aquela ilha! Aquele tudo em nós.




sábado, 17 de janeiro de 2009

Ricardo Reis



«Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos)


Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe que os deuses.


Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassossegos grandes.

Sem amores, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.
(...)»

Ricardo Reis



Correndo e rolando e andando em direcção ao mar... Assim vive a vida. Correndo, rolando, andando e desaguando no mar. Sem paixões, nem desilusões («Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos»), aproveita os prazeres da vida e proteger-se antecipadamente do que de negativo pode adquirir dela. Equilibra, portanto, como um navio em pleno oceano, a visão estoica e epicurista («Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.»)
Tenho forçosamente de realçar um excerto de uma estrofe que faz com que a corrente sentimental do meu espírito ondeie agitadamente. Esta é :


«(...)
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, (...)»


Gosto muito deste excerto porque transmite uma mensagem bastante forte e até 'negativa' da vida de uma forma muito musical, muito suave. É muito simples e claro, muito complacente.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Primeira interpretação do espírito aparentemente inocente de Alberto Caeiro


Ping! Naquele dia pachorrento sentei-me em frente da janela fria. Através dela via o céu cor fumo que chora desalmadamente. As suas lágrimas eram gordas e cristalinas e batiam pesadas contra o meu vidro frio, fazendo um poc austero para marcar presença. Depois desfaziam-se em rios que rasgavam caminhos vagarosos e engraçados ao longo da janela fria. Ai...! E a pasmaceira daquele dia era tal que o tempo, que já passava devagar, resolveu parar durante um segundo transformado em hora. E nesse segundo transformado em hora contei todas as gotas que estavam prestes a estatelarem-se no chão alcatroado que se via da janela fria. Eram duas mil setecentas e quarenta e três gotas! Também vi que forma estranha assumem essas mesmas gotas quando tocam no chão, ou no vidro da janela fria. Olhei para o céu e pude analisar os diferentes tons de cinzento daquelas nuvens chorosas e até os reproduzi com lápis de cor e pastel de óleo! Reparei como o ar quente que sai da nossa boca deixa o vidro frio embaciado e como dá para fazer desenhos! E com o dedo desenhei os caminhos impressos pelas gotas na janela fria e explorei todas as bifurcações e junções dos mesmos! Bom, no auge das minhas brincadeiras infantis, PING! Acabou tudo.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Manifesto



«Nós acostumamo-nos com facilidade à preguiça da mente, sobretudo porque muitas vezes essa preguiça esconde-se sob a aparência de actividade: corremos de um lado para outro, fazemos cálculos e fazemos telefonemas. No entanto, tudo isso ocupa apenas os níveis mais toscos e elementares da mente e oculta o que existe de essencial em nós.»
Tenzin Gyatso em: O Livro de Dias, Sextante



Tantas confusões! Tantos problemas! Tanta miséria! Tanta frieza! Tanto sofrimento! E tudo isto porquê?...


Por causa da ambição desmedida, da ânsia pelo poder... Querem ser donos do mundo, donos dos homens e da Natureza....Mas porquê?



Por que quer o Homem ser dono do que é de todos? Porque quer dominar se esse mesmo domínio significa a destruição?


O Homem Ocidental é, em diversos aspectos, pouco evoluído. Não é pouco inteligente, pois realiza projectos complexos, elabora teorias políticas para equilibrar o frágil sistema capitalista, inova na ciência e na arte.... Mas é espiritualmente subdesenvolvido.
Na corrida eufórica que caracteriza o dia da sociedade ocidental, o individuo esquece-se de olhar para si, de falar consigo próprio, de vaguear no seu subconsciente que muitas vezes lhe dá as respostas que necessita para ser melhor, não profissionalmente, mas pessoalmente...
As respostas para as perguntas realmente importantes estão em nós próprios. E essas perguntas não incluem qual vai ser o valor das taxas de juro no futuro, nem se o próximo Primeiro Ministro vai fazer um bom trabalho. As perguntas que deveríamos fazer são: 'o que me faz feliz?' ou ' que posso fazer para me sentir bem comigo mesmo e com os outros?' ou ainda 'que posso eu dar ao mundo?' São perguntas difíceis de responder e que só em nós estão as respostas.

Se formos felizes, há muito mais probabilidades de as pessoas que nos rodeiam serem felizes também, porque o ser humano atrai aquilo que deseja ao mesmo tempo que influencia o ambiente que o rodeia, como acontece com todo o Universo. E é nisso que o Homem Ocidental falha. Falha porque não dá valor ao que é importante. Em vez disso preocupa-se e luta por coisas que lhe fazem mal.
É triste existirem pessoas que lutam pelo petróleo que nos prejudica tanto a nós e ao mundo, poluindo o ar e a água, matando animais e plantas.
É triste existirem pessoas que fabricam e compram armas, que fomentam guerras e morte.
É triste ver filmagens da bolsa de Nova Iorque, onde tantas pessoas gritam e desesperam desordeiramente. (Há quem compare a bolsa com a selva, mas eu discordo. A selva é bem mais tranquila!)
É triste assistir a debates do Parlamento, este que se encontra repleto de, como diria Almada Negreiros, "charlatães"," indigentes","indignos", "vendidos", "ciganões"!
E há tantas coisas tristes que não há água suficiente para afogar todas as mágoas provenientes dessa tristeza.


Pergunto: para quê lutar por uma felicidade tão imperfeita como a que nos proporciona a nossa sociedade? É apenas uma felicidade aparente, falsa...



«Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.
É em nós que é tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem e o amor sorri.»
Fernando Pessoa ortónimo



Estamos a seguir o caminho errado. O sonho criado por nós, de que a nossa sociedade é aquela que nos conduz à felicidade, não está correcto. A sociedade do Homem Ocidental está a ruir.

É necessária uma mudança radical.
É necessária uma harmonização com o nosso mundo, com o Universo.
É necessário sermos novos Índios e voltarmos a considerar a Terra como sendo nossa mãe, todos os seres vivos como nossos irmãos, o rio como o nosso caminho, que flui e ondeia ao sabor da vida. Devemos aprender com eles e recolher da Natureza apenas o essencial para nos mantermos vivos e saudáveis.
É necessário sermos monges tibetanos e aprendermos a meditar de forma a conhecermo-nos e a transcendermo-nos, para aprendermos a viver em paz connosco e com os outros.



A água suja do nosso ser corrompido pelo progresso desenfreado deve ser purificada!

....


Não sai nada. Tento escrever um pouco sobre Fernando Pessoa, ou qualquer outra coisa, mas não consigo. Neste exacto momento, encontro-me sentada à frente do portátil a tentar escrever alguma coisa para publicar no blog. Já fiz e refiz textos, escrevi palavras, frases, parágrafos que não têm nexo, nem interesse e muitas vezes pouco ou nada se relacionam com a água.


Pareço um rio seco. Aliás, um rio não! Um vale outrora escavado por rio e que agora, completamente ressequido, anseia desesperadamente que este volte a passar e o refresque, fecundando toda a área com uma vida nova.


Mal posso esperar que a água fresca e pura da inspiração penetre nos sulcos ávidos por imaginação do meu vale....

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Reflexão



«Na noite escreve um seu Cantar de Amigo,
O plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.

Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
É a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.»
( D. Dinis, Primeira Parte - Brasão,Mensagem)


Termino este capítulo do meu trabalho com o poema "D. Dinis", da Mensagem, pois neste encontro algumas semelhanças com a minha pessoa e com as minhas expectativas de trabalho.
"D. Dinis" deixa o meu trabalho em aberto, pois este nunca terá fim. A água está entranhada na nossa vida e sem ela não podemos existir, nem fisicamente nem espiritualmente. É essencial.

Comecei este blog uma noite com uma introdução ao seu tema e uma explanação do simbolismo da água. Procurei n' Os Lusíadas e na Mensagem exemplos diversos que demonstrassem a variedade de sentidos e formas que a água pode adquirir e enriqueci o meu trabalho colocando textos da minha autoria e de outros autores, referentes ao tema, tentando relacioná-los com as obras paralelamente estudadas na disciplina de Português.

Infelizmente não desenvolvi o trabalho tanto quanto gostaria. No entanto, estou decidida a dar continuidade a este blog que é o som presente desse mar futuro, o início do meu futuro neste mundo novo que é a literatura. Sinto que a minha vontade é a voz da terra ansiando pelo mar, a vontade de descobrir a vastidão que é o oceano da literatura que ondula sem se poder ver, sentindo-se e ouvindo-se apenas as suas ondas rebentarem na nossa costa apelando a nossa atenção. A minha, já a conseguiram e espero que com estas pequenas canções de amigo, com este começo de busca do oceano por achar, me torne num
plantador de naus a haver.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Desafio: A Alma do Índio




Sou pequena e grande. Sou tudo e nada. Sou o que quiser ser e não o que querem que eu seja. Hoje quero ser água. Quero ser água cristalina, aquela que refresca com um mero olhar, aquela que num só golo sacia a sede, aquela que é mais leve que todas as outras águas, quer sejam do charco, de rios e ribeiros, da chuva, nevoeiro ou até mesmo da gota de orvalho! Aquela água que é mais límpida que as límpidas águas dos lagos e que tem o fulgor das águas marítimas, cuja maresia seduz toda a humanidade.
O murmúrio da minha água lembrará que todos os oceanos, mares e rios são nossos irmãos assim como toda a natureza que nos circunda e ressuscitará todos os que morreram afogados pelo mundo. O reflexo da minha água mostrará o que cada um foi e o que fomos, o que cada um é e o que somos, o que cada um e todos nós poderemos fazer para SER. Este SER é o que nos move. Não é corpo, é energia. Esta energia leva consigo o passado, o presente e o futuro. É o que nos permite viajar em nós próprios, o que nos permite transformar e sentir o que não é fisicamente realizável. Tal como eu hoje sou água devido à minha energia, amanhã posso transformá-la em ar, em terra, em estrela, em nada. Para o fazer basta-me sentir o AMOR do universo, basta amar e ser amada. A partir daí, deixo-me sair do meu corpo para ser só energia e como energia posso ser o que quiser.
Hoje sou água.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Quinta da Regaleira


A água é um elemento purificador. Um simples banho pode fazer a diferença entre o bom e o mau-humor. A água limpa por fora e por dentro. Entra em todos os orifícios, cantos e recantos do nosso ser e arrasta consigo toda a sujidade e imperfeição.

Na Quinta da Regaleira a água purifica a nossa alma. Nesta quinta, o mistério do 'interior', do ser, envolto nos símbolos, mitos e rituais, torna todo o espaço (e seu significado) poético e maravilhoso.
A água, um dos muitos símbolos nela presentes, encontra-se sob várias formas: nos peixes, que simbolizam a fertilidade; no búzio, cujas espirais representam as etapas para a purificação; nos dragões marinhos do Portal dos Guardiães que guardam o mundo interior; na cascata que separa o mundo terreno do Além; nos poços que permitem a morte simbólica, isto é, a pessoa desce ao poço, para o mundo interior- o Inferno- de modo a que se encontre a si própria, vença os seus medos e ultrapasse as suas imperfeições (assim como Vasco da Gama e os marinheiros portugueses superaram os seus durante a viagem para a Índia), voltando à superfície, após passar pela água (por exemplo, a passagem pelo Lago da Cascata) como baptismo, ou seja, como símbolo do seu processo de purificação e renascimento (que n' Os Lusíadas é representado pelo episódio da Ilha dos Amores, onde os navegadores lusos são recompensados com a divinização, visto terem conseguido elevar-se à perfeição humana).


Para Carvalho Monteiro, o homem que idealizou todo o projecto simbólico que é a Regaleira, a água tinha um significado positivo.
Este símbolo acompanha o indivíduo durante o seu caminho interior, indicando-lhe, muitas vezes, a direcção que deve seguir (como nos túneis, onde o viajante deveria guiar-se pelo som da água a cair no lago, visto estar muito escuro para se conseguir orientar pela visão) e também faz a verificação da ascensão ao patamar superior através do 'baptismo', como se fosse a purificação final.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Canto VI

«Nos altíssimos mares, que cresceram,»

«Vendo que se sustém nas ondas tanto.»

«Quase toda alagada; a gente chama»

«As ondas de Neptuno furibundo,»

«No grão dilúvio, donde sós viveram»

Estes são alguns versos do Canto VI, d'Os Lusíadas com alusões à água, nomeadamente a uma tempestade no mar. Nestes versos Camões retrata de forma bela e musical o poder destrutivo da água, conferindo-lhe a sua força, mas sem impressionar demasiado o leitor, isto é, o poeta descreve a tempestade, mostrando quão incontroláveis são as forças da natureza, mas usa figuras de estilo como a perífrase e vocabulário erudito e joga com o ritmo e a rima dos seus versos para atenuar o momento, tornando a tempestade destruidora e magnífica ao mesmo tempo.

domingo, 9 de novembro de 2008

Inconsciente

Estava deitada na minha cama, com a cabeça afundada na minha 'almofada das insónias', a ler um livro, quando oiço as gotas da chuva cair no parapeito da minha janela. Afundei-me mais na almofada e aconcheguei-me nos cobertores. Continuei a ler. No entanto, aquela música líquida captava-me a atenção e introduzia-se na minha mente.
Uma gota bateu com força no parapeito. Mergulhei nela com as restantes gotas da chuva, juntei-as todas e o "ping-ping" deu lugar a um fio contínuo de aguá que corria para o nada. Outra gota, uma imagem em tons de cinzento. A Madalena numa praia deserta, rochosa. O céu estava claro, mas nublado, a areia era branca e contrastava com o negro das rochas, o mar, cujos braços longos beijavam os pés frios da rapariga, rebentava preguiçosamente, criando uma música suave. Madalena cantava baixinho para o mar, pedindo-lhe autorização para entrar nele. Suavemente, este replicou que sim. Madalena avançou então lentamente, murmurando a sua melodia. Já tinha água pela cintura quando parou. Ficou imóvel, de olhos fechados, deixando-se envolver pelo abraço das ondas frias, que aqueciam e lavavam o seu espírito. A sua voz foi ficando mais clara e a sua melodia mais pura. Cantava agora, não para o mar, mas o mar. E nisto, transformou-se em espuma e eu adormeci.

sábado, 8 de novembro de 2008

A Alma do Índio



Foi há algumas aulas atrás que a professora de português levou um pequeno, e no entanto, grande livro intitulado A alma do Índio. Leu-nos um excerto desse mesmo livro, como costuma fazer no início das suas aulas, uma carta escrita por Seattle, chefe índio da tribo Dawmish, ao Governador de Washington. É uma carta maravilhosa, de uma sabedoria e sensibilidade extraordinárias. À medida que a professora ia lendo o texto, apoderou-se de mim o impulso de querer possuir aquele livro, para o ler infinitamente, infinitas vezes. E foi isso mesmo que fiz. Comprei-o há uma semana e ontem comecei e acabei de o ler. Foi surreal. Senti cada palavra, cada lamentação, cada suspiro, cada desilusão, toda a esperança e fé contida em cada discurso daqueles chefes índios.
A carta que se enquadra melhor no meu trabalho é a mesma lida pela professora, pois evoca os elementos de forma simbólica. No entanto, publicarei, não apenas as citações relacionadas com a água, mas toda a carta, pois contém uma mensagem muito bela e muito forte. Uma mensagem para reflectir.


«Como se pode comprar ou vender o firmamento, ou ainda o calor da terra?
Tal ideia ainda é um mistério para nós.
Se não somos donos da frescura do ar nem do fulgor das águas, como podereis vós comprá-los?
Cada quinhão desta terra é sagrado para o meu povo.
Cada reluzente floresta de pinheiros, cada grão de areia nas praias, cada gota de orvalho nos escuros bosques, cada outeiro e até o zumbido de cada insecto é sagrado para a memória e para o passado do meu povo. A seiva que corre nas veias das árvores leva juntamente consigo a memória dos Peles Vermelhas.
Os mortos do Homem Branco esquecem-se do seu país natal quando empreendem as suas viagens pelo meio das estrelas; ao contrário, os nossos mortos nunca podem esquecer-se desta bondosa terra pois ela é a mãe dos Peles Vermelhas.
Somos parte da Terra e do mesmo modo ela é parte de nós próprios. As flores perfumadas são nossas irmãs, o veado, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos; as rochas escarpadas, os húmidos prados, o calor do corpo do cavalo e do homem, todos fazemos parte desta grande família.
Por todas estas razões, quando o Grande Chefe de Washington nos faz chegar a mensagem de que quer comprar as nossas terras, está a pedir-nos demasiado. O Grande Chefe diz-nos, também, que nos reservará um lugar em que possamos viver confortavelmente uns com os outros. Ele passará, então, a ser o nosso pai e nós os seus filhos. Por este motivo, ponderaremos a sua oferta de comprar as nossas terras. Isto não será fácil, uma vez que esta terra é sagrada para nós.
A água cristalina que corre nos rios e ribeiros não é apenas água: simboliza também o sangue dos nossos antepassados
Se vos vendermos a terra, devereis recordar-vos que ela é sagrada e, ao mesmo tempo, ensinar aos vossos filhos que ela é sagrada e que cada reflexo nas límpidas águas dos lagos narra os acontecimentos e memórias das vidas das nossas gentes.
O murmúrio da água é a voz do meu pai.
Os rios são nossos irmãos e saciam a nossa sede; são sulcados pelas nossas canoas e alimentam os nossos filhos. Se vos vendermos a terra, devereis recordar-vos e ensinar aos vossos filhos que os rios são nossos irmãos e, do mesmo modo, também são seus irmãos, e que, portanto, devem cuidar deles com a mesma doçura com que se cuida de um irmão.
Sabemos que o Homem Branco não compreende o nosso modo de vida. Ele não saber distinguir um pedaço de terra de outro, porque ele é um forasteiro que chega de noite e retira da terra o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga e, uma vez conquistada, ele prossegue o seu caminho, deixando atrás de si a sepultura de seus pais, sem se importar com isso!
Rouba a terra aos seus filhos: também não se preocupa! Tanto a sepultura dos seus pais como o património dos seus filhos são esquecidos. Trata a sua mãe, a Terra, e o seu irmão,o Firmamento, como objectos que se compram, se exploram e se vendem da mesma forma que se vendem ovelhas ou contas coloridas. O seu apetite devorará a terra deixando atrás de si apenas o deserto.
Não compreendo, mas a nossa maneira de viver é diferente da vossa. Só de observar as vossas cidades entristecem-se os olhos do Pele Vermelha. Mas talvez seja porque o Pele Vermelha é um selvagem e não percebe nada.
Não existe um lugar tranquilo nas cidades do Homem Branco, não há sítio onde escutar como desabrocham as folhas das árvores na Primavera ou como esvoaçam os insectos.
Mas talvez isto também suceda porque sou um selvagem que não compreende nada. Basta o ruído para insultar os nossos ouvidos. Depois de tudo, que interesse tem a vida se o homem não puder escutar o grito solitário do noitibó nem o coaxar nocturno das rãs nas margens dum charco? Sou Pele Vermelha e nada entendo. Nós preferimos o suave sussurrar do vento sobre a superfície dum charco, assim como o cheiro desse mesmo vento purificado pela chuva do meio-dia ou perfumado com o aroma dos pinheiros.
O ar tem um valor inestimável para o Pele Vermelha, uma vez que todos os seres partilham um mesmo fôlego - o animal, a árvore, o homem, todos respiramos o mesmo ar.
O Homem Branco não parece estar consciente do ar que respira; tal como um moribundo que agoniza durante muitos dias é insensível ao mau cheiro.
Mas se vos vendermos as nossas terras, devereis recordar-vos que o ar é, para nós, precioso, que o ar partilha o seu espírito com a vida que mantém. O vento, que deu aos nossos avós o primeiro sopro de vida, também acolhe os seus últimos suspiros. E, se vos vendermos as nossas terras, devereis preservá-las como coisa à parte e sagrada, como um lugar onde até o Homem Branco poderá deleitar-se com o vento perfumado pelas flores das pradarias.
Por tudo isso, consideraremos a vossa oferta de comprar as nossas terras. Se decidirmos aceitá-la, estabelecerei uma condição: o Homem Branco deverá tratar os animais desta terra como seus irmãos.
Sou um selvagem e não compreendo outro modo de vida. Tenho visto milhares de bisontes a apodrecer nas pradarias, mortos a tiro pelo Homem Branco, da janela de um comboio em andamento.
Sou um selvagem e não concebo como é que uma máquina fumegante pode ser mais importante que um bisonte que nós só matamos para sobreviver.
Que seria do homem sem os animais? Se todos fossem exterminados, o homem também morreria de uma grande solidão espiritual. Porque o que suceder aos animais também sucederá ao homem. Tudo está ligado.
Deveis ensinar aos vossos filhos que o solo que pisam é formado pelas cinzas dos nossos avós. Ensinai aos vossos filhos que a terra está enriquecida com as vidas dos nossos semelhantes, para que saibam respeitá-la. Ensinai aos vossos filhos aquilo que nós temos ensinado aos nossos, que a terra é nossa Mãe. Tudo quanto acontecer à terra sucederá aos filhos da terra. Quando os homens cospem na terra, estão a cuspir em si próprios.
De uma coisa estamos certos: a terra não pertence ao homem; é o homem que pertence à terra. isto sabemos. Tudo está ligado, como o sangue que une uma família. Tudo está ligado. Tudo o que acontece à terra acontecerá aos filhos da terra. O homem não teceu a rede da vida, ele é só um dos seus fios.
Aquilo que ele fizer à rede da vida, ele fará a si próprio.
Nem mesmo o Homem Branco, cujo Deus passeia e fala como ele de amigo para amigo, fica livre do destino comum.



POR FIM TALVEZ SEJAMOS IRMÃOS.




Veremos isso. Sabemos uma coisa que talvez o Homem Branco descubra um dia: o nosso Deus é o mesmo Deus. vós podeis pensar nesta altura que Ele vos pertence, do mesmo modo como desejais que as nossas terras vos pertençam; porém não é assim. Ele é Deus dos homens e a Sua compaixão reparte-se por igual entre o Pele Vermelha e o Homem Branco. Esta terra tem um valor inestimável para Ele, e, se a destruirmos, isso provocará a ira do Criador. Também os Brancos se extinguirão um dia, talvez antes que as demais tribos. Contaminai os vossos leitos e uma noite morrereis afogados nos vossos próprios detritos.
Contudo, vós caminhareis para a vossa destruição repletos e glória, inspirados pela força do Deus que vos guiou a esta terra e que, por algum desígnio superior, vos deu domínio sobre ela e sobre os Peles Vermelhas. Esse destino é um mistério para nós, pois não percebemos porque se exterminam os bisontes, se domam os cavalos selvagens, se saturam os mais escondidos recantos dos bosques com a respiração de tantos homens e se mancha a paisagem das exuberantes colinas com fios de telégrafo. Onde se encontra o matagal? Destruído! Onde está a águia? Desapareceu!




TERMINA A VIDA E COMEÇA A SOBREVIVÊNCIA! »






quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Mensagem - Mar português

«Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar! »

«Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu. »

Este poema da Mensagem comemora o mar e, logo, a água. É uma "comemoração depreciativa", isto é, este poema aborda o quão perigoso é o mar: «Deus ao mar o perigo e o abismo deu,» e das tristezas que este causa: «Ó mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal!». O poder destrutivo da água está aqui implicito, quer físico, nos naufrágios, quer nas suas consequências, a destruição das almas, a desolação das mães, dos filhos e das noivas. Ainda assim, o poeta afirma que vale a pena passar esta prova, cruzar os mares, pois quem o faz ultrapassa obstáculos físicos (o Cabo Bojador) e psicológicos (a dor).

Canto III - Episódio de Inês de Castro

«Nem com lágrimas tristes se mitiga »



«Com lágrimas, os olhos piedosos »



«Onde em lágrimas viva eternamente »



«As espadas banhando e as brancas flores*,
Que ela dos olhos seus regadas tinha
(tinha as maçãs do rosto molhadas com lágrimas)




«As filhas do Mondego a morte escura
Longo tempo chorando memoraram,
E, por memória eterna, em fonte pura
As lágrimas choradas transformaram.
O nome lhe puseram, que inda dura,
Dos amores de Inês, que ali passaram.
Vede que fresca fonte rega as flores,

Que lágrimas são água e o nome Amores.»





Este episódio está repleto de alusões à água sobre a forma de lágrimas. Logicamente, encontramos aqui o carácter sensível da água, ou seja, esta é utilizada para dramatizar a cena e emocionar o receptor. No entanto, no final do episódio, a água assume a sua faceta de regeneração e purificação, em : «E, por memória eterna, em fonte pura/As lágrimas choradas transformaram.» e «Vede que fresca fonte rega as flores,».
Desta forma, Camões leva-nos a sentir compaixão por Inês, o oposto daquilo que o povo português sentiu no momento.
Penso que neste episódio há uma leve crítica quanto à conduta do povo lusitano, de como este influenciou negativamente o rei, pressionando-o a condenar D. Inês à morte. Mostra que a força de um país reside não só no rei, mas no povo unido. Por outro lado, e de forma mais evidente, este episódio exalta o amor de Pedro e Inês, que se tornou num símbolo da nossa história.
______
*maçãs do rosto

domingo, 26 de outubro de 2008

Na passada quarta-feira, dia 22 de Outubro, fui a uma visita de estudo onde a água esteve constantemente presente. A visita, ou melhor, as visitas decorreram na Baixa de Lisboa.
Apanhei o metro em Telheiras, ainda com um rasto de sono a pesar-me nas pálpebras. Não entraram muitas pessoas comigo no comboio, de modo que durante o trajecto até à estação seguinte fui sendo embalada com os abanões da carruagem, enquanto que o choro do metal que esta fazia ia ficando longe, longe, cada vez mais longe. Devo ter dormitado durante uns segundos, mas rapidamente acordei, mal as portas do metro abriram no Campo Grande e uma enchente de pessoas entrou aos tropeções e empurrões, ávidas por um lugar sentado. Num segundo, os três bancos livres junto ao meu estavam tomados. Foi então que resolvi entrar na minha bolha e ouvir a minha música. Quando liguei o mp3 estava a tocar uma música (que eu uso para fazer reiki ou yoga e relaxar) que começa com o enrolar suave das ondas, continuando com o que parece ser o som de gotas a cair sob um lago. Esta música tem a duração de 60min., por isso durou a viagem toda.Quando dei por mim, estava fora do comboio a dirigir-me para a saída da estação. Como só me consigo orientar à superfície subi as primeiras escadas que vi. Que diferença! Os meus olhos semi-cerraram-se com a luz brilhante do sol e o meu corpo encolheu-se com o frio. Olhei ao meu redor e percebi que estava na Praça da Figueira. «Agora por onde é que vou para chegar ao Terreiro do Paço? Pensa... O rio! Procura o rio.» E foi isso que eu fiz, pus-me em meias-pontas e procurei as águas do Tejo. E lá estavam elas entre dois prédios. «É por ali.» Atravessei a praça da Figueira e comecei a descer a rua.
Uma das coisas que eu mais gosto é de andar sozinha na rua. Assim, posso fazer as figuras tontas que tiver de fazer para chegar ao meu destino sem ninguém se sentir embaraçado e pelo caminho descubro coisas novas.
Desta vez resolvi andar aos zigue-zagues até encontrar a Rua Augusta e passei por tantas lojas, por tantos cheiros. Uma das ruas cheirava a detergente contrastado com o cheiro do lixo; outra, por ter tanta afluência, cheirava a pessoas; outra a castanhas quentinhas.
Finalmente, cheguei ao Terreiro do Paço. Vi alguns dos meus colegas ao longe e juntei-me a eles. O resto da turma e professores começaram a chegar e eu mal pude apreciar o reflexo dourado do sol nas águas azul-prateadas do rio. Reunimo-nos e fomos todos para a entrada do Pátio da Galé, onde entrámos para comprar os bilhetes para a exposição sobre o terramoto de 1755 e a reconstrução da Baixa de Lisboa.
A primeira sala focava o contexto histórico do incidente, mostrando pinturas e gravuras do antigo Terreiro do Paço, um local amplo junto ao rio, onde se juntavam as pessoas para estabelecer relações quer sociais, quer comerciais. Também mostrava gravuras sobre engenharia e geometria que se praticava na época pelos engenheiros militares. Na sala seguinte vimos alguns exemplos de outras cidades também reconstruídas e as semelhanças e diferenças que têm com o caso de Lisboa. Um pouco à frente estava a maqueta da cidade de Lisboa pré-terramoto. Nesta vimos como a cidade, já naquela altura, era grande e como as casas formavam ruas que pareciam pequenas ramificações de um rio que iam desaguar ao Terreiro do Paço, de cara para o Tejo.
De seguida, passámos para a destruição da cidade: primeiro o terramoto, que deu origem a um maremoto e, por fim, o incêndio. Pelas paredes havia diversas gravuras: umas da onda gigantesca a cair sobre a cidade, os barcos no rio balançando a ritmo incerto, outras do incêndio a consumir os edifícios e ainda outras com as ruínas, com mortos pelo chão, todos amontoados.
Os espaços seguintes mostram já os planos de construção, as ideologias, os requisitos obrigatórios para a planificação da Baixa, as grandes figuras (D. José I, Marquês de Pombal, Eugénio dos Santos, Manuel da Maia, Carlos Mardel), a 'caixa negra', que simboliza os dois anos de negociações a portas fechadas, ou seja, todo o caminho percorrido até a Baixa Pombalina estar concluída.
As últimas salas correspondiam à Baixa nos tempos mais recentes e à última remodelação que esta sofreu, após o incêndio nos Armazéns do Chiado que foram reconstruídos pelo Siza Vieira em 2004.
Concluindo, a exposição estava muito interessante e bem concebida, com muitas gravuras, pinturas, textos de apoio e citações elucidativas, sendo bastante interactiva.
E acabado este capítulo fomos todos a caminho do almoço. apanhámos o eléctrico até Belém, pois a nossa próxima visita de estudo era no Padrão dos Descobrimentos, almoçámos rapidamente e percorremos os jardins do Jerónimos, repletos de pequenos lagos artificiais e fontes até chegarmos ao Padrão, mesmo junto ao rio. Mais uma vez reunimo-nos, comprámos os bilhetes e entrámos para ver um filme sobre a cidade de Lisboa, que está intimamente ligada ao rio e ao mar, por causa da sua posição geográfica, por ser o centro de Portugal e, outrora, do mundo e por causa dos Descobrimentos. Neste filme também foi referida a Expo98, realizada na zona Oriental de Lisboa, que fez um tributo à água, e ainda hoje é visível esse mesmo tributo nos jardins, no parque da água, no centro comercial Vasco da Gama, na pala do Pavilhão de Portugal, o Lago das Tágides, entre outros.
Acabado o filme chega a hora das despedidas e para a acabar em beleza, mais um fenómeno aquático : chuva! Pingou durante uns instantes e o sol desapareceu, o vento estava mais forte e frio e as águas do Tejo, em consonância com este tempo mais duro, mostraram-se num cinzento metalizado.