sábado, 8 de novembro de 2008

A Alma do Índio



Foi há algumas aulas atrás que a professora de português levou um pequeno, e no entanto, grande livro intitulado A alma do Índio. Leu-nos um excerto desse mesmo livro, como costuma fazer no início das suas aulas, uma carta escrita por Seattle, chefe índio da tribo Dawmish, ao Governador de Washington. É uma carta maravilhosa, de uma sabedoria e sensibilidade extraordinárias. À medida que a professora ia lendo o texto, apoderou-se de mim o impulso de querer possuir aquele livro, para o ler infinitamente, infinitas vezes. E foi isso mesmo que fiz. Comprei-o há uma semana e ontem comecei e acabei de o ler. Foi surreal. Senti cada palavra, cada lamentação, cada suspiro, cada desilusão, toda a esperança e fé contida em cada discurso daqueles chefes índios.
A carta que se enquadra melhor no meu trabalho é a mesma lida pela professora, pois evoca os elementos de forma simbólica. No entanto, publicarei, não apenas as citações relacionadas com a água, mas toda a carta, pois contém uma mensagem muito bela e muito forte. Uma mensagem para reflectir.


«Como se pode comprar ou vender o firmamento, ou ainda o calor da terra?
Tal ideia ainda é um mistério para nós.
Se não somos donos da frescura do ar nem do fulgor das águas, como podereis vós comprá-los?
Cada quinhão desta terra é sagrado para o meu povo.
Cada reluzente floresta de pinheiros, cada grão de areia nas praias, cada gota de orvalho nos escuros bosques, cada outeiro e até o zumbido de cada insecto é sagrado para a memória e para o passado do meu povo. A seiva que corre nas veias das árvores leva juntamente consigo a memória dos Peles Vermelhas.
Os mortos do Homem Branco esquecem-se do seu país natal quando empreendem as suas viagens pelo meio das estrelas; ao contrário, os nossos mortos nunca podem esquecer-se desta bondosa terra pois ela é a mãe dos Peles Vermelhas.
Somos parte da Terra e do mesmo modo ela é parte de nós próprios. As flores perfumadas são nossas irmãs, o veado, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos; as rochas escarpadas, os húmidos prados, o calor do corpo do cavalo e do homem, todos fazemos parte desta grande família.
Por todas estas razões, quando o Grande Chefe de Washington nos faz chegar a mensagem de que quer comprar as nossas terras, está a pedir-nos demasiado. O Grande Chefe diz-nos, também, que nos reservará um lugar em que possamos viver confortavelmente uns com os outros. Ele passará, então, a ser o nosso pai e nós os seus filhos. Por este motivo, ponderaremos a sua oferta de comprar as nossas terras. Isto não será fácil, uma vez que esta terra é sagrada para nós.
A água cristalina que corre nos rios e ribeiros não é apenas água: simboliza também o sangue dos nossos antepassados
Se vos vendermos a terra, devereis recordar-vos que ela é sagrada e, ao mesmo tempo, ensinar aos vossos filhos que ela é sagrada e que cada reflexo nas límpidas águas dos lagos narra os acontecimentos e memórias das vidas das nossas gentes.
O murmúrio da água é a voz do meu pai.
Os rios são nossos irmãos e saciam a nossa sede; são sulcados pelas nossas canoas e alimentam os nossos filhos. Se vos vendermos a terra, devereis recordar-vos e ensinar aos vossos filhos que os rios são nossos irmãos e, do mesmo modo, também são seus irmãos, e que, portanto, devem cuidar deles com a mesma doçura com que se cuida de um irmão.
Sabemos que o Homem Branco não compreende o nosso modo de vida. Ele não saber distinguir um pedaço de terra de outro, porque ele é um forasteiro que chega de noite e retira da terra o que necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga e, uma vez conquistada, ele prossegue o seu caminho, deixando atrás de si a sepultura de seus pais, sem se importar com isso!
Rouba a terra aos seus filhos: também não se preocupa! Tanto a sepultura dos seus pais como o património dos seus filhos são esquecidos. Trata a sua mãe, a Terra, e o seu irmão,o Firmamento, como objectos que se compram, se exploram e se vendem da mesma forma que se vendem ovelhas ou contas coloridas. O seu apetite devorará a terra deixando atrás de si apenas o deserto.
Não compreendo, mas a nossa maneira de viver é diferente da vossa. Só de observar as vossas cidades entristecem-se os olhos do Pele Vermelha. Mas talvez seja porque o Pele Vermelha é um selvagem e não percebe nada.
Não existe um lugar tranquilo nas cidades do Homem Branco, não há sítio onde escutar como desabrocham as folhas das árvores na Primavera ou como esvoaçam os insectos.
Mas talvez isto também suceda porque sou um selvagem que não compreende nada. Basta o ruído para insultar os nossos ouvidos. Depois de tudo, que interesse tem a vida se o homem não puder escutar o grito solitário do noitibó nem o coaxar nocturno das rãs nas margens dum charco? Sou Pele Vermelha e nada entendo. Nós preferimos o suave sussurrar do vento sobre a superfície dum charco, assim como o cheiro desse mesmo vento purificado pela chuva do meio-dia ou perfumado com o aroma dos pinheiros.
O ar tem um valor inestimável para o Pele Vermelha, uma vez que todos os seres partilham um mesmo fôlego - o animal, a árvore, o homem, todos respiramos o mesmo ar.
O Homem Branco não parece estar consciente do ar que respira; tal como um moribundo que agoniza durante muitos dias é insensível ao mau cheiro.
Mas se vos vendermos as nossas terras, devereis recordar-vos que o ar é, para nós, precioso, que o ar partilha o seu espírito com a vida que mantém. O vento, que deu aos nossos avós o primeiro sopro de vida, também acolhe os seus últimos suspiros. E, se vos vendermos as nossas terras, devereis preservá-las como coisa à parte e sagrada, como um lugar onde até o Homem Branco poderá deleitar-se com o vento perfumado pelas flores das pradarias.
Por tudo isso, consideraremos a vossa oferta de comprar as nossas terras. Se decidirmos aceitá-la, estabelecerei uma condição: o Homem Branco deverá tratar os animais desta terra como seus irmãos.
Sou um selvagem e não compreendo outro modo de vida. Tenho visto milhares de bisontes a apodrecer nas pradarias, mortos a tiro pelo Homem Branco, da janela de um comboio em andamento.
Sou um selvagem e não concebo como é que uma máquina fumegante pode ser mais importante que um bisonte que nós só matamos para sobreviver.
Que seria do homem sem os animais? Se todos fossem exterminados, o homem também morreria de uma grande solidão espiritual. Porque o que suceder aos animais também sucederá ao homem. Tudo está ligado.
Deveis ensinar aos vossos filhos que o solo que pisam é formado pelas cinzas dos nossos avós. Ensinai aos vossos filhos que a terra está enriquecida com as vidas dos nossos semelhantes, para que saibam respeitá-la. Ensinai aos vossos filhos aquilo que nós temos ensinado aos nossos, que a terra é nossa Mãe. Tudo quanto acontecer à terra sucederá aos filhos da terra. Quando os homens cospem na terra, estão a cuspir em si próprios.
De uma coisa estamos certos: a terra não pertence ao homem; é o homem que pertence à terra. isto sabemos. Tudo está ligado, como o sangue que une uma família. Tudo está ligado. Tudo o que acontece à terra acontecerá aos filhos da terra. O homem não teceu a rede da vida, ele é só um dos seus fios.
Aquilo que ele fizer à rede da vida, ele fará a si próprio.
Nem mesmo o Homem Branco, cujo Deus passeia e fala como ele de amigo para amigo, fica livre do destino comum.



POR FIM TALVEZ SEJAMOS IRMÃOS.




Veremos isso. Sabemos uma coisa que talvez o Homem Branco descubra um dia: o nosso Deus é o mesmo Deus. vós podeis pensar nesta altura que Ele vos pertence, do mesmo modo como desejais que as nossas terras vos pertençam; porém não é assim. Ele é Deus dos homens e a Sua compaixão reparte-se por igual entre o Pele Vermelha e o Homem Branco. Esta terra tem um valor inestimável para Ele, e, se a destruirmos, isso provocará a ira do Criador. Também os Brancos se extinguirão um dia, talvez antes que as demais tribos. Contaminai os vossos leitos e uma noite morrereis afogados nos vossos próprios detritos.
Contudo, vós caminhareis para a vossa destruição repletos e glória, inspirados pela força do Deus que vos guiou a esta terra e que, por algum desígnio superior, vos deu domínio sobre ela e sobre os Peles Vermelhas. Esse destino é um mistério para nós, pois não percebemos porque se exterminam os bisontes, se domam os cavalos selvagens, se saturam os mais escondidos recantos dos bosques com a respiração de tantos homens e se mancha a paisagem das exuberantes colinas com fios de telégrafo. Onde se encontra o matagal? Destruído! Onde está a águia? Desapareceu!




TERMINA A VIDA E COMEÇA A SOBREVIVÊNCIA! »






2 comentários:

Anónimo disse...

Que feliz fico por ter levado este livro para vos ler!
R

Anónimo disse...

Uma proposta (que aceitarás ou não, em toda a liberdade): construires um texto teu com as palavras que destacaste. :-)
R